21 de mar. de 2013

NOTA FAEB: Seca chega ao ponto mais crítico





Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia vai reunir produtores, autoridades e Sindicatos dos Produtores Rurais para discutir a gravidade da situação.

O sentimento dos produtores da região do semiárido da Bahia é de angústia, revolta e abandono. A sensação geral beira o desespero. A realidade é cada vez mais grave e impiedosa. A seca que atinge a Bahia, considerada a pior dos últimos 50 anos, chegou ao seu ponto mais devastador, levando o produtor rural baiano ao fundo do poço. De acordo com últimas informações divulgadas pela Defesa Civil, 226 municípios estão em situação de emergência na Bahia, o que corresponde a mais da metade das cidades baianas. 

As medidas dos Governos Estadual e Federal são insuficientes, e longe da realidade. Os escassos recursos emergenciais esgotaram-se rapidamente e os financiamentos foram marcados pelo excesso de burocracia e lentidão, excluindo o pequeno e o médio produtor. Assistimos a um imenso retrocesso. O médio produtor já virou pequeno e o pequeno produtor está em vias de desaparecer. 

Em 2012, quando a situação já era bastante grave, foram anunciadas várias medidas emergenciais, com obras como Barragens Subterrâneas, Poços e Implantação de Reservas Estratégicas de Alimentos. Em nome dos produtores do semiárido baiano, questionamos: Onde estão esses poços? Quantas barragens foram construídas? Quantas pessoas foram beneficiadas? Onde estão essas obras emergenciais? O que está sendo feito de concreto? 

O pequeno estoque de milho que deveria chegar aos produtores desapareceu. Um produto essencial que poderia ser usado como uma das poucas alternativas para salvar o que resta do rebanho. Lembramos que esse milho não seria dado, seria comprado pelos produtores. Os produtores querem e precisam comprar, com urgência, o milho. O programa Bolsa-Família, que tem ajudado muitas pessoas a sobreviver, não é a solução para o semiárido, pois isso não resolve o problema. O Bolsa-Família não alimenta e nem fornece água para o rebanho, nem garante a sustentabilidade da propriedade. Com ele a família consegue apenas, precariamente, sobreviver. E assim, acompanhar a perda de todo o seu patrimônio, conquistado com muita luta. Os rebanhos estão sendo dizimados, as propriedades arruinadas, o patrimônio dilacerado. 

Os produtores estão, a cada dia, mais e mais descrentes e desassistidos. Tendo em vista a calamidade que se alastra impiedosamente em nosso Estado, e que está levando progressivamente o produtor rural ao extremo desespero, a FAEB – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia, atendendo à solicitação dos Presidentes de Sindicatos dos produtores rurais da Bahia, vai reunir em sua sede, cooperativas, associações, produtores e autoridades, para uma reunião, de forma a que cada um expresse o seu sentimento e apresente em depoimento suas carências, dificuldades e os efeitos dessas medidas emergenciais nos seus municípios. E, a partir daí, apresentar aos órgãos de divulgação o verdadeiro quadro de desalento e o sofrimento que o campo vem atravessando, revelando, assim, a extensão da tragédia que estamos vivendo. O encontro será realizado na próxima terça-feira, 26, a partir das 9h, na Rua Pedro Rodrigues Bandeira, 143, Ed. das Seguradoras, 7o. andar, bairro do Comércio. 

A situação esperada para 2013, caso não ocorra o milagre das chuvas até início de abril, é que a estiagem vai ser muitas vezes pior que a de 2012. Já não existem reservas estratégicas, nem qualquer poupança que permita comprar volumoso, sementes, contratar carros-pipa, entre outros. 

Durante o encontro, também será realizado um movimento para solicitar aos Governos Estadual e Federal ações enérgicas, impactantes e imediatas, e protestar contra o descaso e a falta de apoio aos pequenos e médios produtores, que estão sendo dizimados. A gravidade da situação é de real calamidade, e é muitas vezes maior que o tamanho da ajuda que se teve até agora. Nesse momento difícil, é necessário, mais do que nunca, que os produtores se organizem, se mobilizem, e pressionem para que seja apresentado um programa de medidas concretas, estruturantes, de médio e longo prazo, para, finalmente, serem criadas condições para sairmos dessa crise, com a recuperação da economia agropecuária, e preparando, enfim, o produtor do semiárido baiano para conviver dignamente com a realidade da seca.

3 de mar. de 2013

A PROPÓSITO DA PRODUÇAO DE LEITE NO NORDESTE

Por Orlando Monteiro de Carvalho Filho
Engenheiro Agrônomo, M.Sc. em Zootecnia,
Pesquisador aposentado da Embrapa Semiárido.

A cada grande seca, que ciclicamente
 ocorre, assiste-se a toda sorte de
oportunismos políticos
Quase sempre lembrado por sua calamitosa face subdesenvolvida e com a percepção distorcida dos investidores públicos e privados de sua incapacidade de retornos econômicos sustentáveis, ressalvas feitas a projetos de agricultura irrigada, o nordeste semiárido tem sido objeto de intervenções paliativas e intempestivas, porém extremamente férteis do ponto de vista eleitoreiro. A cada grande seca, que ciclicamente ocorre, assiste-se a toda sorte de oportunismos políticos, inócuas ações de assistência social, além de propostas tecnológicas milagrosas e impactantes, brotadas de mentes brilhantes de consultores externos.
Não obstante o notável desenvolvimento e a visibilidade da fruticultura irrigada para exportação, o território semiárido nordestino sempre esteve associado à atividade pastoril, suporte de sua conquista desde os primórdios da colonização e que se constitui, ainda hoje, em atividade economicamente predominante e culturalmente determinante da sua identidade sertaneja. Assim é que nele se encontram a quase totalidade do rebanho caprino brasileiro e as principais bacias leiteiras do NE, cuja produção, predominantemente oriunda de pequenas explorações de base familiar, se reveste de inquestionável relevância socioeconômica. De fato, nenhuma outra atividade assegura os benefícios aportados pela atividade leiteira em uma pequena propriedade - fluxo-de-caixa semanal, menores riscos e alta liquidez do capital imobilizado em animais - sobretudo no semiárido, onde poucas opções de reconversão econômica são viáveis, face à sua inconsistência climática.
Malgrado os riscos climáticos, sempre presentes e por demais conhecidos, que restringem a sustentabilidade da agricultura dependente de chuvas, e sem considerar a disponibilidade mais barata dos fatores básicos de produção (terra e mão-de-obra de reconhecido valor), existem ainda outras consideráveis vantagens comparativas no ambiente semiárido para a produção animal em geral e para a bovinocultura leiteira em particular: clima seco, com baixa umidade relativa do ar, favorável à sanidade animal e vegetal, com custos reduzidos para sua manutenção;

A grande maioria dos pequenos produtores ainda sobrevive
do usufruto da baixa oferta ambiental, em um processo de exploração
progressiva e inadequada dos recursos naturais

1.     a baixa umidade relativa do ar favorece, ainda, o resfriamento evaporativo, melhorando as condições de conforto térmico para a vaca leiteira, com repercussões no seu desempenho produtivo e reprodutivo;
2.     solos de média a alta fertilidade natural que, se adequadamente manejados, requerem pequeno aporte de fertilizantes, além de permitirem a oferta de forragens de boa qualidade na estação chuvosa que, sendo conservadas, diminuem a necessidade de aquisição de quantidades elevadas de rações concentradas;
3.     ainda, por conta do ambiente seco, maior durabilidade das construções rurais, com menores custos de depreciação e manutenção.
Tecnologias que asseguram a sustentabilidade da pequena produção de leite no semiárido foram desenvolvidas pela Embrapa Semiárido e encontram-se disponíveis (www.cnpgl.embrapa.br/) e materializadas em um modelo físico de sistema de produção de base agroecológica, localizado no semiárido sergipano. Este sistema possibilita a produção sustentável de leite de alta qualidade, com baixa utilização de insumos externos, a baixo custo, e fundamenta-se em:
1.     infraestrutura agrossilvipastoril assentada em espécies nativas e adaptadas ao ambiente semiárido;
2.     diversidade temporal e espacial dos subsistemas cultivados;
3.     uso de animais rústicos, geneticamente compatíveis com o ambiente;
4.     manejo que assegura o bem-estar animal;
5.     práticas de conservação de forragem: ensilagem e fenação;
6.     reciclagem de resíduos vegetais p/animais e de resíduos animais p/cultivos;
7.     métodos preventivos e uso de produtos e processos naturais nos controles fito e zoosanitário;
8.     recomposição da biodiversidade, com ênfase no componente arbóreo em reflorestamentos, arborização de pastagens, cultivos em alamedas, cercas vivas forrageiras e outros sistemas agroflorestais.
A fragilização dos rebanhos, resultante da utilização
de animais com alta mestiçagem da raça holandesa
A despeito disso, a grande maioria dos pequenos produtores ainda sobrevive do usufruto da baixa oferta ambiental, em um processo de exploração progressiva e inadequada dos recursos naturais e de sua própria mais valia, ora socorrida por políticas sociais compensatórias - leia-se esmolas governamentais - porém tolhida na possibilidade de poder dispor de sua mão-de-obra familiar, (o PETI não permite o uso da mão-de-obra juvenil) que lhe permitiria alguma competitividade na exploração leiteira. Portanto, não parece haver maiores perspectivas de sustentabilidade no horizonte.
Neste contexto, sem escala de produção e sem condições de assalariamento, premido pela necessidade de maior produtividade para fazer face à progressiva fragmentação fundiária, recorrem às tecnologias "modernas", copiando modelos importados de regiões mais favorecidas. Abandonam o uso da tração animal, que limitava a área de solo movimentada a cada ano, e que impunha certa rotação de terras, pela tratorização terceirizada com grades aradoras, aumentando excessivamente a movimentação do/e sobre o solo: em geral rasos e com baixos teores de matéria orgânica. Esse processo não só permitiu expressivo aumento da área plantada com o milho - possibilitado também pelo desenvolvimento de cultivares de ciclo curto - como trouxe o uso descontrolado de herbicidas de alto poder residual (Picloram+ 2,4 D). Somada a isso, a fragilização dos rebanhos, resultante da utilização de animais com alta mestiçagem da raça holandesa, implicando no uso desregrado de pesticidas e antibióticos, tem levado a sinais já perceptíveis de degradação ambiental e de contaminação alimentar que, ao lado de outras ameaças, configuram um quadro de comprometimento da sustentabilidade da cadeia produtiva do leite, conforme ilustrado na figura 1 para o sertão sergipano, que se repete em outras regiões semiáridas nordestinas.
 Se terra e mão-de-obra não são os fatores de produção
mais escassos, porque perseguir altos níveis de produtividade
 por hectare
Este paradigma produtivista, em busca da produtividade a qualquer custo, gerando elevado passivo socioeconômico e ambiental, em um processo de intensificação injustificado - o NE possui a maior população rural do país e baixos preços de terra - possivelmente acontece por orientação técnica equivocada, e/ou por pura imitação de regiões mais favorecidas, que por sua vez o imitam de países desenvolvidos, onde pequeno número

PENSAMENTO DO MÊS

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