Por José Caetano Ricci de Araújo*
A
É interessante saber o volume das chuvas ,
mas , sem
dúvida , importa muito
mais saber quanto desta chuva
foi capturada pelo maior
“reservatório ” das propriedades
rurais que
é o solo . Se a maior
parte da água
escorreu superficialmente devido à “camada impermeabilizante ” de um
solo compactado ou
adensado, a chuva servirá apenas para provocar
erosão e enchentes ,
enquanto o solo
continuará praticamente seco . Se a chuva caiu sobre
solos com
baixa capacidade
de retenção de água ,
sem ser
“capturada” ela descerá para
o lençol freático ,
servindo apenas para
“lavar ” o perfil
retirando-lhe os nutrientes (sais solúveis ).
Infiltração, retenção ,
drenagem , circulação
de água , trocas
gasosas e transporte de nutrientes são processos fundamentais
para a vida vegetal que
acontecem nos poros ,
espaços entre
as partículas sólidas do solo . Nos poros maiores , como os encontrados em
solos onde
predominam areias grossas (partículas grandes ),
a água não
é retida e desce pela força da gravidade
para o lençol
freático . Nos
poros menores
de solos com
predomínio de argilas
(partículas pequeníssimas), a água fica tão fortemente retida que
as raízes não têm força
suficiente para
removê-la. São os poros
médios que conseguem “segurar ”
a água e ao mesmo
tempo disponibilizá-la para
as plantas . Todo
solo , independente
de sua textura ,
terá capacidade de reter
e disponibilizar água , desde que suas partículas estejam arrumadas em
agregados (grumos) que
possibilitem espaços porosos de tamanho
e volume adequados.
É a bioestrutura que
mantém o solo “aberto ”
para que as chuvas consigam se infiltrar
e permite que o volume
explorado pela raiz
seja maior . Em
solos bem
estruturados, mesmo com
a diminuição progressiva
da água no solo ,
o enorme crescimento
das raízes proporciona contato permanente da planta
com a água
disponível em
profundidades cada
vez maio res.
Os pesquisadores calculam que , duplicando o comprimento
radicular, a absorção de água e nutrientes
ocorrerá em um
volume de solo
até 8 vezes
maior . Em
pastagens bem
manejadas, o alongamento radicular
produz uma imensa biomassa
de raízes e sua decomposição
forma canalículos
no solo que aumentam a infiltração de água . Por esta característica , a pioneira
da agroecologia no Brasil, Ana Primavesi
considera os capins como
“os melhores renovadores
da bioestrutura [...] e produtividade do
solo ”.
Inserido em um mercado cada dia mais competitivo, o pecuarista
se vê pressionado a produzir
mais carne
e leite por
hectare . A tendência
natural é superlotar
suas pastagens ,
e assim fazendo, induzir
a progressiva exaustão
das reservas de matéria
orgânica e a rápida
deterioração da estrutura e fertilidade
do solo . Daí resulta a degradação , um problema que já atinge grande
parte das pastagens .
Tentando reverter este
processo costuma usar o arado para “esmigalhar ”
a camada adensada ou
o subsolador para “quebrar ”
a camada compactada. Tais
medidas , de fato
deixam o solo solto e aumentam a
infiltração, entretanto este efeito é apenas temporário .
Na falta de cobertura
vegetal ou
cobertura morta ,
na próxima chuva
o solo será comprimido
pelo impacto das gotas , a crosta
se formará novamente e a compactação
voltará a acontecer .
A única solução verdadeiramente sustentável ,
nestes casos , é administrar
bem a bioestrutura do solo . O bom manejo dos pastos
é o caminho para
uma produção regular de substâncias
agregantes, capazes de manter
o solo “aberto ”
para as chuvas ,
para a circulação
do ar e para
a penetração das raízes. Se o objetivo é eliminar a camada dura superficial e afrouxar o solo adensado, o “diferimento ”
é a técnica de manejo
mais eficaz .
Diferir um pasto é reservá-lo para uso posterior ; é “fechar ” o pasto no período
das águas para
uso na época seca .
Em pastos diferidos
há um enorme
crescimento de raízes e acúmulo de reservas
metabólicas pela planta .
Há também grande
“perda ” de matéria
vegetal , já
que as plantas
completam o seu ciclo ,
amadurecem e são em
grande parte
rejeitadas pelo gado .
Este “pasto
perdido” é a matéria orgânica recuperadora dos solos
pastoris. O aparente
desperdício é responsável
pela redução do estresse
fisiológico da gramínea e pelo
acúmulo de resíduos
(parte aérea
e radicular) que são
fontes de nutrientes .
É comum dar atenção ao volume das chuvas
e esquecer o percentual
de água verdadeiramente armazenado pelo solo . Facilmente
notamos a exuberância das folhas enquanto
as raízes da planta , escondidas sob
o solo , são
esquecidas. Ao compreender a relação
entre o solo ,
a planta e o animal
que pasta ,
mu damos radicalmente
de ponto de vista
e tomamos ciência de que a degradação
dos solos pastoris é um problema realmente grave
com repercussão não
apenas local .
O INPE – Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais
– atribui parte da responsabilidade
pela crise
energética de 2001 à diminuição da capacidade
de infiltração das águas da chuva pelos solos mal
manejados e compactados. As terríveis enchentes que
têm desabrigado milhares de brasileiros nas últimas décadas ,
também estão intimamente relacionadas a esse fenômeno . Até o famoso “efeito estufa ”
é parcialmente creditado à liberação do carbono orgânico da vegetação e de solos
exauridos.
- “Só tem capim quem
perde”. Repetia meu avô
tentando transmitir sua
experiência como
produtor rural
em São
Vicente (atual Tiquaruçú – distrito
de Feira de Santana-BA). Muito tempo depois compreendi o que
ele queria dizer .
Só é possível
evitar a degradação
das pastagens do semiárido permitindo o pleno crescimento
radicular e proporcionando ao solo sua capacidade máxima de armazenar água . “Seu
Zezinho” (José Gregório de Araújo), sem ter formação técnica ,
era dotado de uma aptidão
natural para
as coisas da terra .
Sem nunca
ter ouvido falar em
“bioestrutura”, compreendia que o capim que
“perdemos” alimenta a vida do solo . Muito antes de sustentabilidade e efeito
estufa virarem “moda ”,
ele sabia a receita
para seqüestrar carbono nos solos e preservar a capacidade produtiva
das pastagens .