1 de nov. de 2013

Mudanças climáticas: A escolha certa da raça e do sistema de criação garante o aumento na produção leiteira



Por Bonifácio Benicio de Souza 
e Iran José da Silva
Prof. Dr. Bonifacio Benicio de Souza: Graduação em Zootecnia pela Universidade Federal da Paraíba (1982), mestrado em Produção Animal pela Universidade Federal da Paraíba (1994) e doutorado em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (2000), Pós-Doutorado em Ambiência e Zootecnia de Precisão na Universidade de São Paulo - USP (2008).
Prof. Dr. Iran José Oliveira da Silva: Doutorado em Engenharia Agrícola. Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, São Paulo, Brasil. 1988 - 1992 Mestrado em Engenharia Agrícola. Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, São Paulo, Brasil. 1983 - 1987 - Graduação em Engenharia Agrícola. Universidade Federal de Lavras, UFLA, Minas Gerais, Brasil.


Fatores que afetam a produção de leite no Brasil
A produção de leite depende de vários fatores, como a raça, instalações, alimentação, manejo, sanidade, bem estar e conforto térmico. Com as mudanças climáticas, os países tropicais como o Brasil enfrentarão maiores problemas na produção animal, em função do estresse calórico acentuado. Pois as raças de alta produção de leite são mais exigentes com relação a diversos aspectos, principalmente no que se refere ao bem estar térmico. Assim, é importante que os produtores atentem para escolha correta da raça para sua região.
A produção de leite depende 
de vários fatores
De acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), há previsão de temperaturas entre normal a acima dos valores climatológicos esperados para as regiões Centro-Oeste e parte da Região Sudeste, já a partir do segundo semestre de 2008, o que observamos nesses últimos meses. Dessa forma, devemos considerar que para a região nordeste e especialmente o Semi-árido o impacto seja ainda maior, por se tratar de uma região que já apresenta temperaturas muito elevadas, acima de 30°C na maior parte do ano, chegando a 38°C na estação mais quente. 
Não há receita de bolo, porém recomenda-se a todos os produtores providências para reduzirem os impactos negativos e inevitáveis, preconizados com o aquecimento global. Recomendamos a criação de raças com elevado grau de adaptação à cada região; a utilização de novas tecnologias, a construção de instalações adequadas e o manejo ajustado às exigências térmicas regionais.
A escolha da raça depende 
de vários fatores
A escolha da raça depende de vários fatores, tais como a finalidade, o mercado, a localização, o clima, o tipo de produtores e o nível tecnológico adotado. Nos últimos anos, no Brasil, houve um aumento de 36,07%, e todas as regiões tiveram um incremento considerável na produção de leite. Todavia, a região Norte teve o maior aumento (102%), embora ainda permaneça sendo a região com menor produção leiteira do país. A região Sul ficou em segundo lugar, com um acréscimo de 62% e continua na segunda posição. A região Sudeste, embora tenha apresentado o menor aumento em sua produção nesse período (16%), se mantém na liderança (IBGE, 2006).
Raça de alta aptidão leiteira
Holandesa
As regiões Sul e Sudeste, por apresentarem um clima ameno e condições favoráveis para produção de forragem de boa qualidade, são contempladas com maior rebanho de raças de alta aptidão leiteira, como a Raça Holandesa.Como exemplo, só o Oeste catarinense conta hoje com um rebanho leiteiro formado por mais de 300 mil vacas Holandesas em produção, com um volume de leite produzido superior a 85 milhões de litros/mês (Revista Agropecuária Catarinense, 2007). Considerando que a maior produção de leite no país é proveniente dessas regiões, onde é predominante a raça Holandesa dentre outras, deve-se considerar que esses animais são muito sensíveis ao calor, o que exige dos criadores bastante atenção para oferecer as melhores condições de conforto térmico, principalmente nas estações de primavera e verão, quando as temperaturas são elevadas.
Para as demais regiões do país, onde imperam temperaturas elevadas e outros problemas de ordem hídrica como as secas, a exploração de animais de alta produção, de origem de climas frios é praticamente inviabilizada. Sendo assim, é um desafio manter a produção de leite em níveis satisfatórios, nessas regiões. Para tanto, é necessário, em primeiro lugar, escolher a raça com maior grau de adaptação aliada a uma produção de leite que atenda a finalidade de forma econômica e sustentável; em segundo lugar, providências no sentido de oferecer um ambiente que atenda às exigências desses animais.
Girolando, resultante de 
cruzamentos da raça Holandesa 
com a Gir leiteira
O cruzamento de raças especializadas na produção de leite com raças zebuínas com aptidão leiteira é uma alternativa viável para o país. Como exemplo a raça Girolando, resultante de cruzamentos da raça Holandesa com a Gir leiteira, é uma raça que congrega as qualidades genéticas para produção de leite de ambas as raças, e a capacidade de tolerância ao calor da raça Gir, que por ser de origem de clima quente já tem em seu genótipo as qualidades intrínsecas para suportar temperaturas elevadas em comparação as de origem de climas frios como a Holandesa.
Guzolando 
(Guzerá x Holandês)
De acordo com o serviço de Controle leiteiro, no período de fevereiro a abril de 2008, com um número de 364 lactações, a produção média das vacas Girolando foi de 5.406,72 kg, com duração de 317 dias de lactação, com média diária de 17 kg/dia. O que garante uma produção viável para a maior parte do território brasileiro. É uma excelente raça para ser criada em quase todas as regiões do país. Contudo, os cuidados com o conforto térmico são indispensáveis.
Para o Semi-árido, as raças bovinas com aptidão leiteira que apresentam maior grau de adaptação são as zebuínas: Gir, Guzerá e Sindi. Destacando-se a raça Sindi, pelas seguintes qualidades: dupla aptidão, elevada eficiência reprodutiva, com idade média ao primeiro parto de 31,66 meses, peso ao nascer de 24,32 kg, intervalo entre partos de 13,1 meses e taxa de fertilidade de 89%. Parâmetros estes estudados no Semi-árido paraibano, junto ao Centro de Saúde e Tecnologia da Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba.
Sinjersey 
(Sindi x Jersey)
Sendo assim, uma raça que se apresenta como alternativa viável e comprovada para o desenvolvimento sustentável da pecuária leiteira no nordeste brasileiro, onde predominam as altas temperaturas na maior parte do ano (6 a 8 meses) com temperatura média à sombra variando de 35 a 39°C, em conseqüência da elevada radiação solar incidente. Além dos efeitos do estresse calórico, as estiagens e secas periódicas prejudicam a produção de forragens, impedindo a criação de forma econômica de raças mais exigentes quanto aos fatores de ambiente e alimentação.
Guzera leiteiro
Os resultados médios das melhores lactações da raça Sindi são os seguintes: produção de 3.386,74 kg/lactação, com duração de 301,98 dias de lactação, com média diária de 11,25 kg/dia, e um teor de 5,57 % de gordura. Contudo, já foi registrado produção de 7.062 kg numa lactação, o que dá uma média de 19,72 kg por dia, caracterizando-a como uma das melhores raças zebuínas para pecuária leiteira em regiões semi-áridas. Produção muito boa em relação a média do Brasil que é 1.730 kg/lactação, com média de 5,76 kg/dia.
O conforto térmico é indispensável para se obter maiores lucros na pecuária leiteira
Independente da raça criada, os cuidados com o ambiente de criação são imprescindíveis para que os animais possam expressar o máximo a sua capacidade genética em termos de produção.
O conforto térmico é indispensável 
para se obter maiores lucros na pecuária leiteira
A exploração da pecuária de leite prevalece em sistema de produção a pasto, conforme o levantamento do MilkPoint (2008) que registrou, entre os cem maiores produtores nacionais de leite, que 14% adotam o sistema de produção a pasto e 47% o sistema semi-confinado, totalizando 61% dos sistemas de produção de leite utilizando pastejo. Sabe-se ainda que dentre os fatores que afetam negativamente a produção de vacas de alta produção leiteira, o estresse por calor é tido como um dos principais agentes.
Os sistemas Silvipastoris para a produção
de leite apresentam diversas vantagens
Desta forma, uma alternativa utilizada para evitar ou amenizar o estresse térmico causado pela radiação solar é o uso de sombreamento, que diminui a incidência da radiação direta, beneficiando o conforto térmico, favorecendo o bem-estar animal e a produção.
O sombreamento pode ser feito naturalmente através da disponibilidade de árvores ou de abrigos artificiais. As sombras provenientes das árvores têm maior eficiência resfriadora que os abrigos artificiais. Todavia, na ausência ou insuficiência de sombreamento natural, a provisão de sombras artificiais dependendo do material utilizado melhora significativamente as condições térmicas do meio.
Os sistemas Silvipastoris para a produção de leite apresentam diversas vantagens, tais como: melhoria e conservação do solo, o aumento na produção de forragem de melhor qualidade, e oferece melhores condições para promover o bem-estar dos animais em todos os aspectos.
Sindi, uma raça zebuína de dupla aptidão
Com relação ao conforto térmico, as pesquisas apresentam resultados fantásticos quando observada a procura dos animais por ambientes sombreados, durante o verão.
Os animais procuram a sombra nas horas mais quente do dia tanto no inverno como no verão, contudo é no verão onde essa procura é maior, nesse estudo a permanência das vacas em pastoreio em ambiente sombreado foi superior em 40% no verão quando comparado ao inverno.
Considerando a dimensão e a variedade de climas do Brasil, as mudanças climáticas preconizadas e a necessidade de aumentar a produção de alimentos para o país e o mundo, é importante para essa cadeia produtiva, a escolha certa da raça para a adequação de instalações e manejo que favoreçam melhores condições de conforto e bem estar aos animais, visando uma produção de leite de forma econômica e sustentável.
Produtores precisam oferecer as melhores 
condições de ambiente e manejo possíveis,
Dentre as raças de bovinos leiteiros criadas no país foram destacadas neste artigo, a raça Holandesa, que é uma opção viável para as regiões Sul e Sudeste, por apresentar alta produção leiteira, e o clima dessas regiões ser ameno na maior parte do ano; a Girolando, pelas qualidades de produção e tolerância ao calor, pode ser indicada para quase todo o território brasileiro; e a raça Sindi, uma raça zebuína de dupla aptidão é indicada para a região Semi-árida, onde já foi testada com bons resultados. Contudo, os produtores precisam oferecer as melhores condições de ambiente e manejo possíveis, independente da raça criada, visando amenizar os efeitos das mudanças climáticas, principalmente do aquecimento global, e assim manterem o ritmo de crescimento dessa atividade.

1 de out. de 2013

A QUESTÃO DA ÁGUA NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO


José Almir Cirilo - Professor Titular, Departamento de Engenharia Rural, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, mvfolega@esalq.usp.br
Suzana M.G.L. Montenegro - Pós-doutorando, Departamento de Engenharia Rural, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, rmsroman@esalq.usp.br
José Nilson B. Campos - Professor Associado, Departamento de Engenharia Rural, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, rdcoelho@esalq.usp.br
RESUMO
As características edafo-climáticas e sócio-econômicas do semi-árido brasileiro requerem tecnologias específicas de utilização e conservação dos recursos hídricos. Além do quadro de escassez, a utilização incorreta dos recursos hídricos aumenta a fragilidade da região ao processo de desertificação. O impacto de possíveis mudanças climáticas pode ainda interferir negativamente em processos produtivos, na saúde e na qualidade de vida na região, pela redução da disponibilidade hídrica. Nesse contexto, devem-se abordar o problema de escassez de água e abastecimento a comunidades difusas, levando em consideração tecnologias alternativas, de baixo custo e fácil apropriação pela população. Algumas dessas alternativas e a relevância das obras de integração entre bacias hidrográficas para a região são discutidas neste artigo, destacando a importância da gestão dos recursos hídricos com foco na conservação e uso sustentável.
INTRODUÇÃO
A disponibilidade e usos da água na região Nordeste do Brasil, particularmente na região semiárida, continuam a ser uma questão crucial no que concerne ao seu desenvolvimento. É fato que grandes esforços vêm sendo empreendidos com o objetivo de implantar infra-estruturas capazes de disponibilizar água suficiente para garantir o abastecimento humano e animal e viabilizar a irrigação. Todavia, esses esforços ainda são, de forma global, insuficientes para resolver os problemas decorrentes da escassez de água, o que faz com que as populações continuem vulneráveis à ocorrência de secas, especialmente quando se trata do uso difuso da água no meio rural. De qualquer modo, a ampliação e o fortalecimento da infra-estrutura hídrica, com uma gestão adequada, constituem requisitos essenciais para a solução do problema, servindo como elemento básico para minimizar o êxodo rural e promover a interiorização do desenvolvimento.
Além de obras, a última década do século passado trouxe para o país um novo paradigma: a necessidade da gestão dos recursos hídricos. De fato, a partir dessa época, implantou-se nos estados, com o suporte da União e da Lei nº 9433/1997, a chamada Lei das Águas, uma nova filosofia: controle do uso por meio de instrumentos como outorga e da, ainda incipiente, cobrança pelo uso da água bruta; planos de recursos hídricos para as bacias hidrográficas e os estados; estruturação de entidades gestoras e organismos de bacia; e programas de obras estruturadoras.
Pode-se até afirmar que, em função das dificuldades históricas, os maiores avanços na gestão dos recursos hídricos, comparando-se as regiões do país, vêm ocorrendo no Nordeste.
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DO NORDESTE SEMI-ÁRIDO
O Nordeste do Brasil situa-se entre as latitudes 1º e 18º 30’ S e as longitudes 34º 30’ e 40º 20’ W e ocupa a área de 1.219.000 km2, que equivalem a aproximadamente um quinto do território brasileiro. A região abrange os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, nos quais vivem 18,5 milhões de pessoas e dos quais 8,6 milhões estão na zona rural (Cirilo et al. 2007: 33).
O clima da porção semi-árida é caracterizado por um regime de chuvas fortemente concentrado em quatro meses (fevereiro-maio) e uma grande variabilidade inter-anual. As fortes secas que flagelam a região sempre moldaram o comportamento das populações e foram preponderantes para a formulação de políticas públicas regionais.
O denominado Polígono das Secas foi criado pela Lei nº 175 de janeiro de 1936, como área a ser objeto das políticas de combate às secas. O Polígono foi alvo de várias modificações, tendo sido, inclusive, inserido na Constituição Federal de 1946. Atualmente, o Polígono foi substituído pela Região Semiárida do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (MMA 2004). O Ministério da Integração Nacional (Brasil 2005, 2007) redefiniu os limites da região semi-árida do Nordeste.
POTENCIALIDADES HÍDRICAS REGIONAIS: ÁGUAS SUPERFICIAIS
O Nordeste semi-árido é uma região pobre em volume de escoamento de água dos rios. Essa situação pode ser explicada em função da variabilidade temporal das precipitações e
das características geológicas dominantes, onde há predominância de solos rasos baseados sobre rochas cristalinas e, conseqüentemente, baixas trocas de água entre o rio e o solo adjacente. O resultado é a existência de densa rede de rios intermitentes, com poucos rios perenes e destaque para os rios São Francisco e Parnaíba. Os rios de regime intermitente são encontrados na porção nordestina que se estende desde o Ceará até à região setentrional da Bahia. Entre estes, destaca-se o Jaguaribe, no Ceará, pela sua extensão e potencial de aproveitamento: em sua bacia hidrográfica encontram-se alguns dos maiores reservatórios do Nordeste, como Castanhão e Orós.
A potencialidade hídrica superficial é representada pela vazão média de longo período em uma seção de rio. Trata-se de um indicador importante, pois possibilita uma primeira avaliação da carência ou abundância de recursos hídricos de forma espacializada numa dada região.
A Figura 1 indica as potencialidades hídricas superficiais expressas por unidade de área (indicadas em litros por segundo por quilômetro quadrado) nas diferentes bacias hidrográficas da região, como resultado dos estudos hidrológicos desenvolvidos para o trabalho da ANA/MMA intitulado “Atlas Nordeste: abastecimento urbano de água” (ANA 2005).


POTENCIALIDADES HÍDRICAS REGIONAIS: ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
No que se refere à ocorrência de águas subterrâneas, como o território nordestino é em mais de 80 % constituído por rochas cristalinas, há predominância de águas com teor elevado de sais captadas em poços de baixa vazão: da ordem de 1 m³ h-1. Exceção ocorre nas formações sedimentares, onde as águas normalmente são de melhor qualidade e pode-se extrair maiores vazões, da ordem de dezenas a centenas de m³ h-1, de forma contínua (Cirilo 2008). A Figura 2 mostra, de forma esquemática, a ocorrência dos aqüíferos no Nordeste.
Rebouças (1997) ressaltou, a partir de estudos anteriores, que as reservas de água doce subterrânea nas bacias sedimentares do Nordeste permitem a captação anual de 20 bilhões de m³ por ano, sem colocar em risco as reservas existentes. Esse volume equivale a 60 % da capacidade do reservatório de Sobradinho, na Bahia (34 bilhões de m³), principal responsável pela regularização das vazões do rio São Francisco; ou o triplo da capacidade do açude Castanhão (6,7 bilhões de m³). Trata-se, portanto, de volume considerável de água. Segundo Cirilo (2008), é necessário ressaltar, no entanto, as peculiaridades dessas reservas, que são:
• concentração espacial (no caso do semi-árido, Piauí e Bahia detêm os principais aqüíferos. No restante da região, as ocorrências são de manchas sedimentares esparsas);
• em muitos aqüíferos, a profundidade encarece o custo de implantação e operação dos poços (Chapada do Araripe, município de Bodocó, no lado pernambucano, há um poço com 950 m  de profundidade e capacidade de 140 m³ h-1, onde o nível dinâmico da água está a mais de 300 m abaixo da superfície do solo); e• existe muita incerteza sobre os mecanismos de recarga dos aqüíferos sedimentares do semi-árido, bem como sobre a dimensão dessa recarga; por essa razão, uma exploração intensiva pode colocar em risco essas fontes.
 



Pelas razões expostas, Cirilo (2008) afirmou que as águas subterrâneas devem ser, nas reservas sedimentares do semi-árido nordestino, usadas criteriosamente, de preferência para o abastecimento humano (diversas cidades do Nordeste situadas sobre as bacias sedimentares ou próximas a elas são abastecidas por essas fontes) e que não faz sentido considerar que essa potencialidade seja capaz de atender às demandas regionais, até porque seriam necessárias grandes transferências de água para isso. 
SAÚDE PÚBLICA
A incidência de doenças de veiculação hídrica associadas à má qualidade da água consumida por parte significativa da população do semi-árido, especialmente a que reside nas zonas rurais, e a precariedade ou inexistência de estruturas de tratamento de esgoto, reflete, principalmente, nos indicadores de mortalidade infantil na região. Costa (2009) desenvolveu pesquisa em que relacionou a queda significativa de doenças, como por exemplo a diarreia, sobre a população infantil de áreas rurais de Pernambuco, após a implantação de sistemas regulares de abastecimento de água ou mesmo de tratamento de água em sistemas simplificados. 
OCORRÊNCIA DE PROCESSOS DE DESERTIFICAÇÃO NO NORDESTE 
A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD) conceituou desertificação como o processo de degradação das terras em regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, em decorrência de fatores como a ação antropogênica e as mudanças climáticas. Essa degradação é a perda ou redução da produtividade econômica ou biológica dos ecossistemas secos causada pela erosão do solo, deterioração dos recursos hídricos e perda da vegetação natural.
De acordo com estudo do Ministério do Meio ambiente (BRASIL 2002: 42), as áreas do Nordeste com sinais extremos de degradação, os chamados “Núcleos de Desertificação”, são Gilbués no Piauí, Irauçuba no Ceará, Seridó na fronteira dos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte e Cabrobó, em Pernambuco. Estima-se que o processo de desertificação vem comprometendo uma área de 181.000 km2 decorrente de impactos difusos e concentrados sobre o território da região. A super-exploração dos recursos naturais nessa região tem efeitos de médio prazo sobre a qualidade ambiental na região, onde predominam, como atividades econômicas, as culturas de subsistência, a pecuária extensiva e alguns perímetros de agricultura irrigada. Muitas áreas irrigadas apresentam sinais de salinização pela deficiência ou ausência de drenagem dos solos. Em cerca de 600 mil hectares irrigados no Nordeste registram-se sinais de salinização e/ou de compactação do solo em aproximadamente 30 % da área (MMA 2002). 
IMPACTOS POTENCIAIS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
O relatório do IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change, denominado IPCC AR4 (disponível no site http://ipcc-wg1.ucar.edu/) sobre as mudanças climáticas concluiu, com mais de 90 % de confiança, que o aquecimento global dos últimos 50 anos é causado pelas atividades humanas. Segundo Marengo (2007), os resultados deste estudo para a América do Sul indicam que as mudanças climáticas mais intensas para o fi nal do Século XXI, relativas ao clima atual, vão acontecer na região tropical, especificamente na Amazônia e no Nordeste do Brasil. Estas duas regiões são, portanto, as mais vulneráveis do Brasil às mudanças de clima.
Numa atmosfera mais aquecida espera-se, de modo geral, a ocorrência de precipitações pluviais mais intensas nas regiões mais úmidas, além de veranicos e ondas de calor mais freqüentes. Na região semi-árida, a maioria dos cenários de mudanças climáticas sinaliza para, com o aumento da temperatura: o aumento da evaporação nos corpos d’água e, conseqüentemente, a redução do volume escoado nos mesmos; a redução da recarga dos aqüíferos em até 70 % até o ano 2050 e, portanto, da realimentação da vazão dos rios; a concentração do período chuvoso em um espaço de tempo ainda menor, com redução da precipitação (cenário pessimista: para um aumento da temperatura de 2 a 4 ºC, 15 a 20 % a menos de chuva; cenário otimista: 1 a 3 ºC mais quente, 10 a 15 % de redução de chuva); a tendência de “aridização” da região, com a substituição da caatinga por vegetação mais típica de regiões áridas, como as cactáceas.
A alteração dos processos hidrológicos na região semi-árida pode significar diferentes tipos de prejuízos para as comunidades que vivem nessas regiões. Por exemplo, é provável que ocorra aumento da salinização da água subterrânea e superficial em virtude da elevação da evapotranspiração (Bates et al. 2008). Além disso, nas bacias hidrográficas dessas regiões, as conseqüências de mudanças no regime de vazões podem trazer prejuízos para a geração de energia hidroelétrica e para a manutenção de projetos de irrigação e abastecimento da população. Devem ser realizados estudos hidrológicos para predição e avaliação das conseqüências da mudança do regime de vazões e dos processos
hidrológicos nas bacias do Semi-Árido Nordestino. Pinto & Assad (2008) destacaram que na maior parte do Brasil a elevação da evapotranspiração deverá, com seu conseqüente reflexo na deficiência hídrica do solo, acarretar um crescimento do risco climático para a produção agrícola. Baseado em cenários do IPCC e simulações de cenários com as condições futuras para plantio de diferentes culturas, os referidos autores destacaram que o aumento de temperatura deverá diminuir o número de municípios com potencial agrícola nos anos de 2020, 2050 e 2070. Segundo ainda os mesmos autores, com a estimativa pelo IPCC de aridificação do semi-árido do Brasil e da perda da produtividade de várias culturas, deverão ser produzidas conseqüências do ponto de vista de segurança alimentar na região.
SOLUÇÕES PARA PROBLEMA DA ÁGUA NO SEMI-ÁRIDO NORDESTINO 
As secas e suas conseqüências 
Desde os primórdios, as secas marcaram a história do Nordeste. Fernão Cardin (citado por Souza 1979) relata que houve uma grande seca e esterilidade na província (Pernambuco) e desceram do sertão, ocorrendo-se aos brancos no litoral cerca de quatro ou cinco mil índios. Também merece destaque a citação ao Professor João de Deus de Oliveira (Paulino 1992) que relata movimentos dos Tabajaras e Kariris acossados pelas secas. Depreende-se dessas narrativas que os movimentos migratórios já aconteciam dos sertões já aconteciam mesmo em uma época de baixa densidade demográfica.
A ocupação dos sertões foi bastante retardada em decorrência, principalmente, das secas. Contudo, após uma carta régia, os criadores de gado tiveram que adentrar os sertões. De 1845 a 1876, aconteceram 32 anos sem secas intensas, que resultaram no aumento das populações e dos rebanhos sem o aumento da infra-estutura hídrica. Veio, então, uma seca intensa e duradoura de 1877 a 1879, que resultou em trágica mortandade da região com estimativa de cerca de 500.000 óbitos. Foi a partir desse choque que atingiu a sociedade brasileira que começou uma busca de soluções estruturais (Campos & Studart 1997). Foi nessa seca, que se atribui a Dom Pedro II a frase: “venderei a última pedra da minha coroa antes que um nordestino venha a morrer de fome”.
De qualquer maneira, foi a partir dessa tragédia que ações mais efetivas, ainda em ritmo lento, começaram a ser tomadas. O açude Cedro no Ceará, hoje um monumento histórico de baixa capacidade hidrológica, foi iniciado ainda na época do Império.
A busca de soluções
O enfrentamento do problema da escassez de água de qualidade no semi-árido não se deu através de uma solução única. A implantação de infra-estruturas hidráulicas, isoladas ou combinadas, constituem as ações necessárias para mitigar a problemática da água no semi-árido.
A definição de infra-estrutura adequada e de estratégia de ação ou de gestão deve buscar o aumento da disponibilidade pelo aumento da eficiência do uso e controle da demanda e do desperdício, notadamente no que se refere à irrigação.
As infra-estruturas podem ser agrupadas para atender dois tipos de demanda: a demanda concentrada e a demanda rural difusa. Na primeira, por exemplo, nas cidades e perímetros de irrigação grandes vazões são supridas e distribuídas entre usuários próximos uns dos outros. Na demanda rural difusa, há uma dispersão espacial muito grande e as soluções são específicas.
Vamos iniciar pelos problemas regionais associados ao clima para contextualizar as soluções praticadas e propostas.
Perfuração de poços
No Nordeste, estima-se que cerca de 100.000 poços tenham sido perfurados. Pelo fato de a maior parte da região semi-árida do Nordeste ser de formação cristalina, poços usados como solução para o suprimento das diferentes necessidades estão sujeitos às seguintes limitações:
• baixas vazões, na maioria dos casos até 2 m3h-1;
• teores de sais superior, em parcela significativa dos poços, ao recomendado para consumo humano; e

• altos índices de poços secos, dadas as peculiaridades geológicas.

Os poços

4 de set. de 2013

Características do Semiárido brasileiro: fatores naturais e humanos


Pedro Carlos Gama da Silva e outro 
O Semiárido brasileiro é um dos mais povoados do mundo e, em função das adversidades climáticas, associadas aos outros fatores históricos, geográficos e políticos que remontam centenas de anos, abriga a parcela mais pobre da população do país (NORDESTE..., 1999). Grande parte da população que vive nessa área está diretamente vinculada a atividades agropastoris e busca seu sustento sobre a base de recursos naturais existentes em suas propriedades ou no entorno destas. Tais atividades são altamente dependentes da chuva e, em razão das adversidades climáticas, com ciclos de secas acentuados, resultam em forte degradação ambiental.
Estudos realizados em ambientes semiáridos demonstram uma estreita ligação da atuação do homem sobre o meio, com processos negativos sobre a flora e a fauna silvestre e, principalmente, sobre os solos, onde os processos erosivos se intensificam e passam a constituir indícios marcantes de desertificação, estando o clima fortemente associado a este contexto.
Aspectos naturais
A característica marcante da região semiárida é a ocorrência de uma variedade de paisagens e ambientes. A região semiárida contempla 17 grandes unidades de paisagens, por sua vez subdivididas em 105 unidades geoambientais, de um total de 172 no Nordeste como um todo (SILVA etal., 1993).
Em relação à geologia, Jacomine (1996) dividiu a região em três áreas conforme a natureza do material originário: áreas do cristalino, áreas do cristalino recobertas por matérias mais ou menos arenosos e áreas sedimentares.
O relevo da região é muito variável, o que contribui para o elevado numero de grandes unidades de paisagem mencionado. A altitude média fica entre 400m e 500m, mas pode atingir 1.000m. Ao redor de 37% da área é de encostas com 4% a 12% de inclinação e 20% de encostas têm inclinação maior que 12%, o que determina uma presença marcante de processos erosivos nas áreas antropizadas (SILVA, 2000).
Quatro ordens de solos, de um total de quinze, ocupam 66% da área sob a caatinga, espacialmente fracionadas (Latossolos – 19%; Neossolos Litólicos – 19%; Argissolos – 15% e Luvissolos – 13%). Segundo Silva (2000), 82%da região apresentam solos de baixo potencial produtivo, seja por limitações de drenagem e de elevados teores de sódio (Na) trocável (CUNHA et al., 2008; SALCEDO; SAMPAIO, 2008).
Clima e hidrografia
A precipitação pluviométrica do Semiárido brasileiro é marcada pela variabilidade inter-anual, que, associada aos baixos valores totais anuais de chuva, contribui, como um dos principais fatores, para a ocorrência dos eventos de “secas”. De acordo com estudo de Marengo (2006) e Rebouças et al. (2006), é apresentada a cronologia das secas ocorridas a partir do século 16, que podem ser associadas às crises de produção agrícola e de suprimento de água e alimentos para a população e os rebanhos. A estes períodos de seca, também, se relacionam os movimentos sociais que normalmente ocorrem na região. Segundo o mesmo autor, ocorrem entre 18 e 20 anos de seca por período de 100 anos, com ocorrência mais frequente a partir do século 20.
No que se refere aos totais anuais, a climatologia das precipitações no Semiárido a qual abrange todo o Nordeste, se observa que, à medida que se afasta do litoral leste, onde as chuvas são superiores a 1.000mm, e se vai adentrando para o interior da região, nos limites do Semiárido, as precipitações diminuem e alcançam valores médios inferiores a 500mm anuais. No centro, que coincide com o núcleo do Semiárido, é onde se verificam os menores índices totais anuais de chuva, em função de essa região coincidir com o ponto final de influência das principais frentes que convergem para o interior do Nordeste.
O valor anual da precipitação nem sempre guarda correspondência com a qualidade da estação chuvosa para o sucesso da atividade agropecuária, vez que podem ocorrer períodos prolongados de estiagem, que se intercalam com episódios de chuvas mais intensas, ocasionando a conhecida “seca verde”, que também afeta negativamente a produção agrícola e a disponibilidade de forragem para os animais. Dessa forma, a distribuição temporal da chuva é muito importante. As chuvas são concentradas em apenas três ou quatro meses e ocorrem em poucos dias do ano, sendo, em geral, intensas e intercaladas por períodos de veranicos.
A quadra chuvosa para os estados do norte do Nordeste, como Ceará, Rio Grande do Norte e parte da Paraíba, ocorre entre os meses de fevereiro e maio, enquanto que no oeste da Paraíba e Pernambuco, leste do Piauí e norte da Bahia, os meses mais chuvosos são janeiro, fevereiro, março e abril, sendo que em algumas dessas regiões, já é possível observar a ocorrência de precipitação no mês de dezembro.
A irregularidade no regime pluviométrico, acompanhada pelo intenso calor, resulta em elevadas taxas de evapotranspiração potencial e real, as quais reduzem a umidade do solo e a quantidade de água armazenada nos reservatórios. Em outras palavras, a precipitação reduzida e irregular e as altas taxas evapotranspiratórias durante o ano resultam em um balança hídrico negativo.
No Nordeste, a evaporação varia de 1000 mm.ano-1, no litoral da Bahia e Pernambuco, atingindo 2.000 mm.ano-1 no interior do Semiárido, podendo chegar a 3.000 mm.ano-1 (IICA, 2002) na área do chamado “Cotovelo do São Francisco”, próximo a Petrolina, PE/Juazeiro, BA. Os valores mais elevados ocorrem nos meses de outubro a dezembro e os mínimos, de abril a junho.
A vulnerabilidade dos agroecossistemas diante desse fenômeno natural e constituir alternativas de desenvolvimento sustentável.
Aproveitamento econômico sustentável dos recursos naturais – as bases de um plano de desenvolvimento  socioeconômico sustentável para o Semiárido. No livro Solo e água no Polígono das Secas, publicado pela primeira vez em 1949, Duque (1973) estabeleceu o
José Guimarães Duque
enfoque ecológico associado ao desenvolvimento econômico e social, embora, na época, não existisse o conceito de desenvolvimento sustentável com suas dimensões social, econômica e ambiental. É enfatizado neste livro que o atraso do Semiárido se explica por uma complexa articulação entre os condicionantes ambientais, socioeconômicos, políticos e despreparo da população ou desprezo às técnicas. À época, já era recomendado um forte programa de educação com enfoque mais tecnológico, visando fornecer subsídios à população sobre os problemas regionais e suas soluções. Também, foi dada ênfase à necessidade da multidisciplinar-idade, como forma de melhor compreender a região e identificar tecnologias sustentáveis, nos conceitos atuais.
Com disponibilidade hídrica de mais de 85 bilhões de metros cúbicos de água, dos quais, aproximadamente, 65% encontra-se nos reservatórios de Sobradinho (34,116 bilhões), Itaparica (11,782 bilhões), Xingó (3,800 bilhões), Moxotó (1,226 bilhões) e Boa Esperança (5,085 bilhões), todos localizados na bacia do São Francisco (PROJETO ÁRIDAS, 1994).
Estima-se, atualmente, que em todo o Nordeste existam por volta de 150.000 poços profundos (CPRM, 2001). Entretanto, devido às  características geológicas, com o predomínio das cochas cristalinas, os sistemas aqüíferos são do tipo fissural e apresentam baixas vazões, em geral, inferiores a 3 m³.h-¹, com elevados teores de sólidos dissolvidos totais, registrando, em media, 3 g.L-¹, com predominância de cloretos (LEAL, 1999).
A condição de baixa disponibilidade hídrica nesta região poderá se agravar caso se confirmem os cenários globais das alterações climáticas, indicados no Relatório sobre Mudanças Climáticas do Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC). Especificamente, no caso do Brasil, os impactos mais severos seriam no Semiárido, que tenderia a ficar mais seco em função de: a) redução de 15% a 20% das chuvas e ocorrências de secas mas intensas; b) significativa redução no nível de água dos reservatórios subterrâneos, com estimativas de até 70% até o ano 2050;c) aumento da temperatura entre 3ºC e 4ºC para a segunda metade do século 21, com sérias consequências na redução das vazões do Rio São Francisco (15% a 20%) e aumento nas taxa de evaporação dos reservatórios de águas superficiais, e d) alteração na composição da Caatinga, dando lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas (MARENGO, 2006).
Confirmadas estas previsões, com o agravamento da escassez de água, segundo Brown et al. (2000), surgiriam consequências graves na disponibilidade de alimentos, considerando a necessidade média de mil toneladas de água para produção de uma tonelada de grãos. A competição pela água influenciaria, portanto, na escassez de alimentos para a população sempre crescente, principalmente nas regiões que já sofrem com problemas de falta de alimentos e água, até mesmo para atender o consumo humano.
No contexto do uso da água na agricultura, Falkenmark (2002), citando por Gnadlinger et AC. (2007), ressalta que o uso de tecnologias de captação e manejo de água de chuva é indispensável em regiões áridas e semiáridas, pois além de fornecer água para o consumo das famílias, possibilita seu uso pelas plantas, denominada de “água verde” ou “água azul”, e para os animais.
Os conhecimentos acumulados sobre os recursos naturais do Semiárido brasileiro, principalmente no que concerne ao total anual das chuvas ocorridas, permitem concluir que não é a falta de chuvas a responsável pela oferta insuficiente de água na região, mas sua má distribuição, associada a uma alta taxa de evapotranspiração, bem como a falta de políticas publicas para disponibilizar os meios e orientar a população para captar e armazenar a água das chuvas para ser utilizada no período seco. A esses fatores naturais e políticos, está associado o uso inadequado da água nos mais variados setores – agrícola (irrigação), indústria, uso doméstico, entre outros, gerando desperdícios e contaminação. Assim, é essencial  o uso racional da água adotando-se iniciativas para reduzir o consumo e estimular novas atitudes e comportamentos que gerem menos degradação. A sociedade deve pensar e agir com foco no desenvolvimento econômico, porém, preservando os recursos naturais, sobretudo a água. A educação e a conscientização do consumidor são fundamentais para induzir mudanças em seus hábitos,

decisivas em regiões com limitação naturais de água.
Diante deste cenário, o maior desafio a ser enfrentado para produzir alimentos, talvez não seja a escassez de água, mas uma gestão integrada e compartilhada com os diferentes usuários dos recursos hídricos, como preconizada pela Política Nacional de Recursos (BRASIL, 1997), fortalecida pelo uso de inovações tecnológicas voltadas para captação, armazenamento e uso racional da água de chuva, de forma a reduzir os riscos da produção agrícola.
Vegetação e Fauna
A composição florística desse bioma não e uniforme e varia de acordo com o volume das precipitações pluviométricas, da qualidade dos solos,  da rede hidrográfica e da ação antrópica, sendo que essa heterogeneidade, tanto em relação a fisionomia quanto a composição, tem levado alguns autores  a utilizar sua denominação no plural – as caatingas brasileiras (ANDRADE-LIMA, 1981).
Aspectos socioeconômicos
O Semiárido brasileiro, com quase toda a região nordeste, apresenta os piores indicadores econômicos e sociais do Pais. No tocante às atividades econômicas, estas ainda padecem da

19 de ago. de 2013

Sete teses sobre o mundo rural brasileiro



Autores: Antônio Márcio Buainain é economista, doutor e pesquisador; Eliseu Alves é doutor e pesquisador; José Maria da Silveira é engenheiro agrônomo, doutor e pesquisador; Zander Navarro é sociólogo, doutor e pesquisador. 

Introdução

Um artigo e uma coletânea escritos na década de 1960, respectivamente, por um sociólogo mexicano e um economista brasileiro, ofereceram à literatura sobre “o desenvolvimento” um conjunto de argumentos inovadores, ambos curiosamente coincidindo sobre o número sete, o qual englobaria os focos principais acerca dos temas que então os autores adiantaram para o debate público. O artigo
Rodolfo Stavenhagen
“Siete tesis equivocadas sobre América Latina”, de Rodolfo Stavenhagen, foi publicado no diário mexicano El Día, em junho de 1965. Já o economista Antônio Barros de Castro lançou seu livro Sete ensaios sobre a economia brasileira em 1969, publicação que representou uma criativa proposta analítica, introduzindo uma visão que, na ocasião, já prenunciava o futuro polemista e notável interpretador dos processos econômicos do país [1]. Em especial, foram autores que confrontaram as narrativas dominantes e a ortodoxia então prevalecentes. Já na abertura do artigo, uma advertência de Stavenhagen é ilustrativa sobre os motivos que animam o presente artigo, em face da similaridade com parte da bibliografia brasileira que atualmente discute o desenvolvimento da agricultura [2]. Na ocasião, alertava o sociólogo mexicano que: 


[...] En la literatura abundante que se ha producido en los últimos años sobre los problemas del desarrollo y del subdesarrollo económico y social se encuentram tesis y afirmaciones equivocadas, erróneas y ambiguas. A pesar de ello, muchas de estas tesis son aceptadas como moneda corriente [...] Pese a que los hechos las desmienten, y a que diversos estudios en años recientes comprueban su falsedad, o cuando menos hacen dudar de su veracidade, dichas tesis adquieren fuerza y a veces carácter de dogma” (STAVENHAGEN, 1965).

Muitos elos analíticos poderiam unir a curta contribuição de Stavenhagen a alguns dos argumentos de Barros de Castro nos Sete ensaios, sendo o principal a refutação da existência de “sociedades duais” na América Latina (o notório“dualismo cepalino”) e a visão do economista sobre “as funções da agricultura” no processo de expansão capitalista
Antônio Barros de Castro
brasileiro — discutidas no segundo ensaio do livro. Para as teses então dominantes, os ambientes rurais representariam o epítome do atraso econômico e das práticas sociais e políticas conservadoras, materializando bloqueios estruturais à expansão de uma sociedade moderna. Castro, por seu turno, insistiu que na história nacional a agricultura não se constituíra em freio à industrialização, ainda que seu desenvolvimento não tivesse seguido uma via similar à dos países do capitalismo avançado. E advertiu, em premonitória observação de grande relevância: sem a democratização da propriedade da terra, as regiões rurais exportavam a desigualdade social do campo para a cidade, através de processos migratórios das famílias mais pobres. Adicionalmente, sua análise adiantava uma interpretação que os fatos posteriores comprovaram à exaustão, conforme a síntese de dois estudiosos de sua obra:


[...] O “Ensaio 2”, do livro Sete Ensaios..., é uma das mais instigantes interpretações sobre a relação de agricultura e indústria escrita no Brasil [...] Castro argumentou que a agricultura brasileira contribuiu com a industrialização por meio da geração e permanente ampliação de excedente de alimentos e matérias-primas, da liberação da mão de obra e da transferência de capitais. O autor mostrou que, apesar do crescimento da população e da renda brasileiras, o país não foi pressionado a aumentar significativamente suas importações de alimentos [...], não foi obrigado a reduzir a expansão de suas exportações agrícolas pela pressão da demanda doméstica de terras para a produção de alimentos e, ainda, a agricultura brasileira aumentou a oferta de alimentos liberando mão de obra para suprir a demanda de trabalhadores no setor urbano da economia [...] a contribuição do setor foi importante ao permitir que o mercado urbano, que surgia da substituição das importações e não do aumento da demanda das regiões agrícolas, se expandisse, sem que fosse estrangulado por problemas gerados na oferta de alimentos ou na incapacidade da agricultura de liberar mão de obra para as cidades ou capitais” (PRADO e BASTIAN, 2011, p. 245-246).


Essas observações iniciais, representativas de diminuta parte de um gigantesco debate sobre o desenvolvimento ocorrido meio século atrás, inspiram este artigo por várias razões [3]. Primeiro, porque assistimos hoje, tal como aqueles autores, ao distanciamento entre os processos concretos que demandam explicação, de um lado, e parte significativa das interpretações e da literatura, de outro lado. Trata-se de um hiato entre “teoria e realidade” que contribui para a persistência das “afirmações equivocadas, errôneas e ambíguas” (Stavenhagen), as quais poderiam ter tido alguma validade para explicar realidades que já foram transformadas, mas atualmente embaralham os debates sobre o mundo rural brasileiro.
Em segundo lugar, aqueles comentários do passado permitem destacar o impressionante contraste entre os contextos produtivos da época e os atuais. Os dois cientistas sociais citados realçaram, sobretudo, o atraso social, o primitivismo tecnológico e produtivo dos setores agropecuários, a natureza politicamente reacionária da vida no campo e a pobreza então disseminada. Meio século depois, o contraste, pelo menos em relação ao caso brasileiro, não poderia ser mais abissal, particularmente se concretizadas as projeções de médio prazo da produção agropecuária (BRASIL, 2013). As diferenças são admiráveis. A agricultura brasileira, tradicionalmente entendida como um binômio que articulava um enclave exportador e um setor de produção de alimentos baseado em pequenos produtores de baixa produtividade, destaca-se atualmente como um dos setores mais


dinâmicos da economia. É a base de cadeias produtivas que, no conjunto, produzem um quarto do PIB nacional e aproximadamente um quinto do emprego total, mas, sobretudo, são extraordinários vetores do desenvolvimento social do interior do país, tanto em territórios da fronteira como na reestruturação virtuosa de áreas de ocupação agrícola antigas e estagnadas. Tome-se, por exemplo, a produção da safra 2012/13, que embora pontual, oferece uma ideia da riqueza gerada e da importância para a economia brasileira: estima-se que o valor bruto da produção dos 20 principais produtos é de 305 bilhões de reais, soma que parece inacreditável. Se apenas uma parte do VBP previsto, por exemplo, for cotejada com o lucro líquido total das vinte maiores empresas brasileiras (públicas e privadas), obtido em 2012, somente a riqueza prevista na colheita de dois produtos (milho e soja) deverá ser quase 50% maior do que o total do lucro amealhado por aquelas vinte empresas que são as mais rentáveis do país (146 bilhões e 104 bilhões de reais, respectivamente).
O texto pretende arrolar alguns focos de análise sobre a agricultura (ou, lato sensu, sobre “o mundo rural brasileiro”) na forma de teses, mantendo assim a expectativa de estimular o debate sobre o estado atual das atividades agropecuárias e alguns aspectos da vida social rural, além de apontar algumas de suas tendências futuras. Há uma seção inicial, na qual três processos sociais são explicitados. Sem a sua aceitação, as sete teses, apresentadas sinteticamente nas seções seguintes, se tornariam ilógicas ou inconsistentes. São premissas que definem o contexto de mudanças do último meio século de transformações, semeando os pilares que anunciariam um novo período no desenvolvimento das atividades agropecuárias no Brasil.

As sete teses e seu contexto contemporâneo

É preciso, inicialmente, situar historicamente o debate proposto em relação a três dimensões
chave: a temporalidade do processo (quando), os atores e grupos sociais (quem) e os catalisadores e oportunidades (como) que concretizaram as transformações referidas pelo conjunto das teses apresentadas nas páginas seguintes.
O primeiro elemento de contextualização se refere ao ponto de partida do processo de desenvolvimento agrário que fomentou a formação de uma economia agrícola orientada, de fato, por um modo de funcionamento essencialmente capitalista. Quando teve início o processo, a que período histórico se refere? As perguntas poderiam gerar incontáveis debates (ver, por exemplo, Kageyama, 1990), mas, nesse texto, tal origem obedece a uma datação relativamente precisa. Não obstante marcantes histórias agrárias e agrícolas setoriais e regionais, especialmente o caso do café em São Paulo (mas também o arroz no Rio Grande do Sul, a cana-de-açúcar no Nordeste, o cacau no sul da Bahia, entre outras situações regionais), as raízes mais promissoras da moderna agricultura brasileira nasceram nos anos da década de 1960, com a instituição do sistema de crédito rural e a implantação de um modelo de modernização da agricultura largamente inspirado no caso norte-americano e fundado em um tripé indissolúvel: crédito rural subsidiado, extensão rural e pesquisa agrícola por instituições públicas. Ainda que tenha sido um processo discriminatório quanto às regiões, aos tipos de cultivos favorecidos e aos beneficiários, aquele esforço inicial assentou as condições tanto para a conformação da agricultura moderna tal como a conhecemos hoje como os debates em torno do processo de modernização cimentaram as bases da compreensão hoje dominante — com os seus acertos e equívocos — sobre a agricultura do país.

  

Uma segunda pergunta que situa o debate se refere a quem, em especial, ativou tal processo de mudança. Que grupos de

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