16 de set. de 2014

CAATINGAS, DEGRADAÇÃO E OPORTUNIDADES

          O senso comum vê o "nordeste" como uma região de aparência uniforme e clima seco. O senso crítico mostra, entretanto, que o vasto território nordestino apresenta um dos mais diversificados climas do Brasil. Por convenção a geografia divide o Nordeste em quatro sub-regiões: Zona da Mata que acompanha o Oceano Atlântico do Rio Grande do Norte até o sul da Bahia, onde encontramos o pouco que restou da exuberante Mata Atlântica; Meio Norte que compreende grande parte do Piauí e todo o Maranhão, onde estão as matas dos cocais e babaçuais; Sertão, que é a parte mais interior de praticamente todos os estados nordestinos e Agreste, estreita faixa entre a Zona da Mata e o Sertão interiorano, com características das duas sub-regiões adjacentes, partes quase tão secas como o Sertão e outras bastante chuvosas. O Nordeste brasileiro é, portanto “um conjunto de regiões muito diferentes [...] onde há um pouco de tudo”, como ensinava o eminente agrônomo Frederico Pimentel Gomes. 

"Caatingas - grandes tablados onde campeia a sociedade rude dos vaqueiros”.
Euclides da Cunha

         
Agreste, Sertão e uma pequena parte do Meio Norte compõem o semi-árido nordestino, caracterizado pela baixa umidade do ar, baixa pluviometria e frequentes “secas”. Resistindo às adversidades do clima semiárido através de adaptações naturais, esta a Caatinga com suas várias feições, desde as arbóreas úmidas e densas até as arbustivas abertas e extremamente secas. Estas últimas representam o “nordeste” do imaginário popular que teve em Euclides da Cunha sua melhor descrição: “Arbúsculos quase sem pega sobre a terra escassa, enredados de esgalhos de onde irrompem solitários cereus rígidos e silentes, dando ao conjunto a aparência de uma margem de desertos”. 
Eu acho o Sertão bonito exatamente por causa daquilo que os delicados acham feio... o Sol implacável... e a Caatinga espinhosa e selvagem, povoada de répteis envenenados, de aves de rapina, escorpiões, marimbondos e piolhos-de-cobra”.
Ariano Suassuna

          O entendimento dos cientistas é que a semi-aridez do nordeste brasileiro foi provocada por alterações geológicas e climáticas ocorridas em época bastante remota, anterior, inclusive, ao surgimento da espécie humana no planeta. Consequentemente, sua vegetação não é resultado da degradação provocada pelo homem como ocorreu em outras regiões semi-desérticas do mundo. Mas, se o homem não esta na origem da Caatinga, por certo, causou-lhe modificações significativas. O semiárido nordestino sofreu uma forte pressão de ocupação desde os tempos coloniais, quando a necessidade de atender à demanda de alimentos da população que se multiplicava no litoral determinou o avanço da pecuária para os sertões, onde o clima arejado e seco era propício aos rebanhos. Com o povoamento dos sertões, a caatinga, que na língua Tupi significa “mata esbranquiçada”, em referência a seu aspecto na estação seca, progressivamente foi sendo exaurida pelas queimadas para melhorar os pastos e para abrir as roças de algodão, pela extração de madeira para lenha, cercas, currais, galpões, casas e dormentes de ferrovia. Também pela exploração de ouro, cobre, ferro, mica, caulim, gesso, pedras preciosas e semipreciosas.

                                                            “Foi o gado bovino quem guiou o povoador para os sertões; e não o rancheiro quem trouxe o gado para cá!”
Dilemar Costa

Vaqueiro tangerino - Percy Lau
          O longo histórico de exploração fez da Caatinga, muito provavelmente, o ecossistema mais degradado do Brasil depois da Mata Atlântica. Salvo valiosas exceções, grande parte da vegetação remanescente, perdeu suas características originais. Restou uma “caatinga” desfigurada que não conssegue proteger o solo das chuvas torrênciais características do semiárido. Uma “caatinga” secundária onde a erosão esta presente e a fauna praticamente desapareceu. Na estação seca, árvores e arbustos perdem suas folhas avidamente pastejadas por cabras, ovelhas e vacas. As primeiras chuvas atingem o terreno desprotegido, provocando a retirada de sedimentos. A degradação dos solos avança e, exaurida, a natureza recua.
          Em nenhuma outra parte do mundo existe bioma igual à caatinga. Suas espécies nativas, expressando as possibilidades de adaptação da natureza a regiões de elevado potencial de evapotranspiração com baixa e irregular precipitação, ganharam enorme relevância ante a probabilidade do aquecimento global. Restrito ao território
brasileiro suas peculiaridades exigem tecnologias próprias e atenção especial. Apesar disto, continuamos convivendo com sistemas de produção incompatíveis e agressivos, responsáveis pela “degradação generalizada” que tem provocado menor capacidade de recuperação a secas e facilitado o surgimento de núcleos de desertificação. Felizmente “no meio da dificuldade encontra-se a oportunidade”. De fato, estudos revelam que as maiores oportunidades para sequestro e armazenamento de CO² no solo estão, justamente, em terras secas degradadas (Review of evidence on drylands pastoral systems and climate change - 2009). Desta forma, reverter o processo de degradação da caatinga deixou de ser apenas uma necessidade, constituindo-se agora numa oportunidade para combater o “efeito estufa”.

JOSÉ CAETANO RICCI DE ARAÚJO
Eng° Agrônomo e Produtor Rural
Ipirá – Bahia

PENSAMENTO DO MÊS

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