Por FERNANDO ENRIQUE MADALENA: Professor da Escola
de Veterinária da UFMG, Belo Horizonte, MG, Eng. Agrônomo, Ph.D. Melhoramento
Animal (Univ. of Edinburgh). Foi Oficial Superior de Melhoramento Animal e
Recursos Genéticos da FAO, Roma, Diretor do Projeto FAO/EMBRAPA/PNUD no Centro
Nacional de Pesquisa-Gado de Leite, Coronel Pacheco, MG, técnico da FAO e do
IICA no México, Vietnã e Equador, Professor Visitante na USP-Ribeirão Preto e
na EPAMIG e Professor na Faculdade de Agronomia do Uruguai. Tem trabalhado em
pesquisa de cruzamentos e seleção de gado de leite, de corte e de dupla
aptidão.
Há uma grande preocupação no mundo todo com a queda
continuada da fertilidade e da saúde do gado leiteiro de alta produção. Na
recente Conferência da FAO, em Interlaken, em setembro passado, sobre o estado
mundial dos recursos genéticos animais, o Interbull organizou Simpósio sobre o
tema "Quão sustentáveis são os programas de melhoramento das principais
raças de gado de leite internacionais?", no qual me coube fazer
apresentação, em que se baseia este artigo.
Deterioração da fertilidade e da saúde
Nas últimas décadas, a produção de leite por vaca
teve um aumento substancial nos países do primeiro mundo, de onde provém a
genética usada no Brasil, mas, como pode ser observado na Figura 1, esse
aumento da produção foi acompanhado por importante deterioração da fertilidade.
Figura 1. Evolução da produção de leite por
lactação (Leite), intervalo de partos (IEP) e número de serviços por concepção
(S/C) nos EUA.
Fonte: Lucy, 2001.
A prevalência de doenças também tem aumentado e é
motivo de preocupação. Por exemplo, Zwald et al (2004) comunicaram incidência
de deslocamento do abomaso de 3% de casos por lactação, 10% de cetose, 20% de
mamite, 10% de claudicação, 8% de cistos ovarianos e 21% de metrite, em vários
estados dos EUA.
Redução da vida útil e aumento da mortalidade
Os problemas de fertilidade e doenças refletem na
redução da vida útil e aumento da taxa de descarte, bem como no aumento da
mortalidade. Estes parâmetros têm atingido valores insustentáveis, tendo a vida
útil caído, nos EUA, para 2,8 lactações por vaca, ou 32 meses, o que requer
reposição de 38% do rebanho, cifra inatingível a não ser com sêmen sexado. Com
tanto descarte, 61% do rebanho é de vacas de primeira e segunda cria, que são
menos produtivas que as adultas. Apenas 12 a 20% desse descarte é devido à
baixa produção, sendo o resto devido a infertilidade e doenças. Por outro lado,
a taxa de mortalidade de vacas passou de menos de 2% ao ano para 6 a 11%,
dependendo da região.
Também no Brasil, como em outros países
importadores de genética de alta produção, os problemas de fertilidade são
notórios. Por exemplo, Vasconcelos et al. (2007) relataram taxas de concepção
de 17 a 25%, em vacas, em fazenda modelo em São Paulo. Wolff et al. (2004)
verificaram aumento no intervalo parto-primeiro cio de vacas Holandesas, no
Paraná, no decênio 1991-2000. Vida útil de apenas 2,7 lactações foi relatada
para fazendas em Castro, PR (Balde Branco, 2003). Molina et al. (1999)
comunicaram prevalência de 30,3% de vacas com afecções podais, concluindo que
"as afecções podais em vacas em lactação confinadas constituem um sério
problema em fazendas na bacia leiteira de Belo Horizonte".
Antagonismo genético entre a produção e a fertilidade e saúde
A seleção para maior produção de leite aumenta
também a capacidade de consumo de alimento, mas, tal aumento não é o suficiente
para atender totalmente os requerimentos energéticos adicionais, decorrentes do
aumento da produção, especialmente nas primeiras semanas após o parto,
ocasionando, então, balanço energético negativo e maior mobilização de reservas
corporais, o que provoca diminuição da fertilidade e aumento de doenças como
mamite, febre do leite, cetose e outras.
Em estudo com mais de 118 mil lactações, na raça
Holandesa, no Brasil, Silva et al. (1998) verificaram forte correlação genética
desfavorável (rg = 75%) entre a produção de leite na primeira lactação e o
primeiro intervalo de partos, estimando que para cada 200 kg de ganho genético
na produção, aumentar-se-iam 7,9 dias no intervalo.
Infelizmente, o antagonismo genético entre produção
e fertilidade encontrada no Holandês persiste também em populações de gado
mestiço, segundo resultados de Silva et al. (2001) e Grossi e Freitas (2002).
O balanço energético negativo é determinado geneticamente e não se
resolve com nutrição
Segundo Lucy (2005) existe consenso de que o
desempenho reprodutivo da vaca de leite é influenciado por ponto característico
de condição corporal, geneticamente determinado, ao qual ela migra, depois de
iniciada a lactação, através da utilização do tecido adiposo, cuja perda
dependeria desse ponto característico e da massa de tecido adiposo disponível,
e não das exigências nutricionais. A seleção para maior produção produziu vacas
com maior predisposição genética para direcionar os nutrientes para a produção
de leite, ao invés de formar gordura corporal, o que é regulado através de
mecanismos hormonais. Conseqüentemente, segundo Chagas, et al. (2007),
"mesmo quando o consumo de nutrientes é aumentado em altos níveis, o
resultado é simplesmente um aumento na produção, sem necessariamente melhorar o
desempenho reprodutivo".
Vacas mais angulosas tem pior condição corporal,
menor fertilidade e mais doenças
Infelizmente, durante dezenas de anos, tem se
inculcado a produtores e técnicos que vaca leiteira tem que ser angulosa,
tendo-se selecionado intensamente para esta característica, junto com outros
componentes do tipo. De fato, ao se selecionar para maior angulosidade se
melhora sim a produção, mas, por outro lado, também se seleciona contra a
fertilidade, porque a maior angulosidade implica em pior condição corporal, um
indicador de como a vaca estoca e mobiliza, durante a lactação, sua reserva de
energia no tecido adiposo. Condição corporal adequada é reconhecidamente
necessária para a reprodução eficiente
Na Fig. 2 se apresenta um exemplo da correlação
negativa entre o valor genético para intervalo de partos e a condição corporal,
sendo que os reprodutores que transmitem pior condição corporal tendem a
transmitir intervalos de partos maiores, e vice-versa.
Figura 2. Relação entre os valores genéticos de
reprodutores Holstein, no Reino Unido, para escore de condição corporal e
intervalo de partos. Cada ponto representa os valores genéticos de um
reprodutor.
Também tem sido verificado antagonismo genético
entre angulosidade e prevalência de doenças, o qual é atribuído ao estresse
metabólico, decorrente do balanço energético negativo. Estes fatos têm levado
às Associações de Criadores a reverter a seleção, procurando-se agora
selecionar os animais com pior forma leiteira, os menos angulosos. Parece
brincadeira. O certo mesmo seria esquecer a ilusão da seleção por tipo e
selecionar diretamente pelas características econômicas.
Vacas grandes comem mais, mas, não dão mais leite
A seleção de animais de grande tamanho é
anti-econômica, uma vez que o tamanho tem quase nula correlação genética com a
produção (VanRaden et al., 2006), mas, obviamente, aumenta os requerimentos de
nutrientes para mantença.
Na Tabela 1 se apresentam os resultados de
experimento de seleção para tamanho na Universidade de Minnesota, onde as vacas
de linhagem selecionada para maior tamanho não produziram mais leite que as
selecionadas para tamanho menor, de forma que a margem econômica do alimento
("income over feed cost") foi maior para a linhagem "pequena",
que também apresentou maior fertilidade e dias em produção.
Os autores concluíram que a seleção deveria ser
praticada com base nas características econômicas, entretanto, segundo eles, a
seleção para menor tamanho, que implicaria em sacrificar um pouco de seleção
para produção, poderá não ser necessária nos EUA enquanto houver "fácil
aceso a alimentos relativamente baratos". Eis a confirmação de mais uma
perversidade do regime de subsídio à produção.
Tabela 1. Resultados da seleção para tamanho, em
Holstein, por três gerações, usando-se, a cada ano, sêmen comercial dos três
reprodutores de maior e menor valor genético para tamanho, dentre a metade dos
reprodutores de maior PTA para produção disponíveis nos EUA.
Fonte: Hansen et al. (1999).
No Brasil, onde os