José Almir Cirilo - Professor
Titular, Departamento de Engenharia Rural, Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz, Universidade de São Paulo, mvfolega@esalq.usp.br
Suzana M.G.L. Montenegro -
Pós-doutorando, Departamento de Engenharia Rural, Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, rmsroman@esalq.usp.br
José Nilson B. Campos - Professor
Associado, Departamento de Engenharia Rural, Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, rdcoelho@esalq.usp.br
RESUMO
As
características edafo-climáticas e sócio-econômicas do semi-árido brasileiro
requerem tecnologias específicas de utilização e conservação dos recursos
hídricos. Além do quadro de escassez, a utilização incorreta dos recursos
hídricos aumenta a fragilidade da região ao processo de desertificação. O
impacto de possíveis mudanças climáticas pode ainda interferir negativamente em
processos produtivos, na saúde e na qualidade de vida na região, pela redução
da disponibilidade hídrica. Nesse contexto, devem-se abordar o problema de
escassez de água e abastecimento a comunidades difusas, levando em consideração
tecnologias alternativas, de baixo custo e fácil apropriação pela população.
Algumas dessas alternativas e a relevância das obras de integração entre bacias
hidrográficas para a região são discutidas neste artigo, destacando a
importância da gestão dos recursos hídricos com foco na conservação e uso
sustentável.
INTRODUÇÃO
A
disponibilidade e usos da água na região Nordeste do Brasil, particularmente na
região semiárida, continuam a ser uma questão crucial no que concerne ao seu
desenvolvimento. É fato que grandes esforços vêm sendo empreendidos com o
objetivo de implantar infra-estruturas capazes de disponibilizar água suficiente
para garantir o abastecimento humano e animal e viabilizar a irrigação.
Todavia, esses esforços ainda são, de forma global, insuficientes para resolver
os problemas decorrentes da escassez de água, o que faz com que as populações
continuem vulneráveis à ocorrência de secas, especialmente quando se trata do
uso difuso da água no meio rural. De qualquer modo, a ampliação e o
fortalecimento da infra-estrutura hídrica, com uma gestão adequada, constituem
requisitos essenciais para a solução do problema, servindo como elemento básico
para minimizar o êxodo rural e promover a interiorização do desenvolvimento.
Além de obras, a última década do século passado
trouxe para o país um novo paradigma: a necessidade da gestão dos recursos
hídricos. De fato, a partir dessa época, implantou-se nos estados, com o
suporte da União e da Lei nº 9433/1997, a chamada Lei das Águas, uma nova
filosofia: controle do uso por meio de instrumentos como outorga e da, ainda
incipiente, cobrança pelo uso da água bruta; planos de recursos hídricos para
as bacias hidrográficas e os estados; estruturação de entidades gestoras e
organismos de bacia; e programas de obras estruturadoras.
Pode-se
até afirmar que, em função das dificuldades históricas, os maiores avanços na
gestão dos recursos hídricos, comparando-se as regiões do país, vêm ocorrendo
no Nordeste.
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DO NORDESTE
SEMI-ÁRIDO
O
Nordeste do Brasil situa-se entre as latitudes 1º e 18º 30’ S e as longitudes
34º 30’ e 40º 20’ W e ocupa a área de 1.219.000 km2, que equivalem a
aproximadamente um quinto do território brasileiro.
A região abrange os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, nos quais vivem 18,5 milhões de
pessoas e dos quais 8,6 milhões estão na zona rural (Cirilo et al. 2007: 33).
O clima
da porção semi-árida é caracterizado por um regime de chuvas fortemente
concentrado em quatro meses (fevereiro-maio) e uma grande variabilidade inter-anual.
As fortes secas que flagelam a região sempre moldaram o comportamento das
populações e foram preponderantes para a formulação de políticas públicas
regionais.
O
denominado Polígono das Secas foi criado pela Lei nº 175 de janeiro de 1936,
como área a ser objeto das políticas de combate às secas. O Polígono foi alvo
de várias modificações, tendo sido, inclusive, inserido na Constituição Federal
de 1946. Atualmente, o Polígono foi substituído pela Região Semiárida do Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste (MMA 2004). O Ministério da
Integração Nacional (Brasil 2005, 2007) redefiniu os limites da região
semi-árida do Nordeste.
POTENCIALIDADES HÍDRICAS
REGIONAIS: ÁGUAS SUPERFICIAIS
O
Nordeste semi-árido é uma região pobre em volume de escoamento de água dos
rios. Essa situação pode ser explicada em função da variabilidade temporal das
precipitações e
das características geológicas dominantes, onde há
predominância de solos rasos baseados sobre rochas cristalinas e,
conseqüentemente, baixas trocas de água entre o rio e o solo adjacente. O resultado
é a existência de densa rede de rios intermitentes, com poucos rios perenes e
destaque para os rios São Francisco e Parnaíba. Os rios de regime intermitente
são encontrados na porção nordestina que se estende desde o Ceará até à região
setentrional da Bahia. Entre estes, destaca-se o Jaguaribe, no Ceará, pela sua
extensão e potencial de aproveitamento: em sua bacia hidrográfica encontram-se
alguns dos maiores reservatórios do Nordeste, como Castanhão e Orós.
A
potencialidade hídrica superficial é representada pela vazão média de longo
período em uma seção de rio. Trata-se de um indicador importante, pois possibilita
uma primeira avaliação da carência ou abundância de recursos hídricos de forma
espacializada numa dada região.
A Figura 1 indica as potencialidades
hídricas superficiais expressas por unidade de área (indicadas em litros por
segundo por quilômetro quadrado) nas diferentes bacias hidrográficas da região,
como resultado dos estudos hidrológicos desenvolvidos para o trabalho da
ANA/MMA intitulado “Atlas Nordeste: abastecimento urbano de água” (ANA 2005).
POTENCIALIDADES HÍDRICAS REGIONAIS: ÁGUAS
SUBTERRÂNEAS
No que se refere à ocorrência de águas subterrâneas, como o território
nordestino é em mais de 80 % constituído por rochas cristalinas, há
predominância de águas com teor elevado de sais captadas em poços de baixa
vazão: da ordem de 1 m³ h-1. Exceção ocorre nas formações sedimentares, onde as
águas normalmente são de melhor qualidade e pode-se extrair maiores vazões, da
ordem de dezenas a centenas de m³ h-1, de forma contínua (Cirilo 2008). A
Figura 2 mostra, de forma esquemática, a ocorrência dos aqüíferos no Nordeste.
Rebouças (1997) ressaltou, a partir de estudos anteriores, que as reservas de água doce subterrânea nas bacias sedimentares do Nordeste permitem a captação anual de 20 bilhões de m³ por ano, sem colocar em risco as reservas existentes. Esse volume equivale a 60 % da capacidade do reservatório de Sobradinho, na Bahia (34 bilhões de m³), principal responsável pela regularização das vazões do rio São Francisco; ou o triplo da capacidade do açude Castanhão (6,7 bilhões de m³). Trata-se, portanto, de volume considerável de água. Segundo Cirilo (2008), é necessário ressaltar, no entanto, as peculiaridades dessas reservas, que são:
• concentração espacial (no caso do semi-árido, Piauí e Bahia detêm os principais aqüíferos. No restante da região, as ocorrências são de manchas sedimentares esparsas);
Rebouças (1997) ressaltou, a partir de estudos anteriores, que as reservas de água doce subterrânea nas bacias sedimentares do Nordeste permitem a captação anual de 20 bilhões de m³ por ano, sem colocar em risco as reservas existentes. Esse volume equivale a 60 % da capacidade do reservatório de Sobradinho, na Bahia (34 bilhões de m³), principal responsável pela regularização das vazões do rio São Francisco; ou o triplo da capacidade do açude Castanhão (6,7 bilhões de m³). Trata-se, portanto, de volume considerável de água. Segundo Cirilo (2008), é necessário ressaltar, no entanto, as peculiaridades dessas reservas, que são:
• concentração espacial (no caso do semi-árido, Piauí e Bahia detêm os principais aqüíferos. No restante da região, as ocorrências são de manchas sedimentares esparsas);
• em muitos aqüíferos, a profundidade encarece o custo de implantação e
operação dos poços (Chapada do Araripe, município de Bodocó, no lado pernambucano, há um
poço com 950 m de profundidade e
capacidade de 140 m³ h-1, onde o nível dinâmico da água está a mais de 300 m
abaixo da superfície do solo); e• existe muita incerteza sobre os mecanismos de recarga dos aqüíferos
sedimentares do semi-árido, bem como sobre a dimensão dessa recarga; por essa
razão, uma exploração intensiva pode colocar em risco essas fontes.
Pelas razões expostas, Cirilo (2008) afirmou que as águas subterrâneas
devem ser, nas reservas sedimentares do semi-árido nordestino, usadas
criteriosamente, de preferência para o abastecimento humano (diversas cidades
do Nordeste situadas sobre as bacias sedimentares ou próximas a elas são
abastecidas por essas fontes) e que não faz sentido considerar que essa
potencialidade seja capaz de atender às demandas regionais, até porque seriam
necessárias grandes transferências de água para isso.
SAÚDE PÚBLICA
SAÚDE PÚBLICA
A
incidência de doenças de veiculação hídrica associadas à má qualidade da água
consumida por parte significativa da população do semi-árido, especialmente a
que reside nas zonas rurais, e a precariedade ou inexistência de estruturas de
tratamento de esgoto, reflete, principalmente, nos indicadores de mortalidade
infantil na região. Costa (2009) desenvolveu pesquisa em que relacionou a queda
significativa de doenças, como por exemplo a diarreia, sobre a população
infantil de áreas rurais de Pernambuco, após a implantação de sistemas
regulares de abastecimento de água ou mesmo de tratamento de água em sistemas
simplificados.
OCORRÊNCIA DE PROCESSOS DE DESERTIFICAÇÃO NO NORDESTE
A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD) conceituou desertificação como o processo de degradação das terras em regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, em decorrência de fatores como a ação antropogênica e as mudanças climáticas. Essa degradação é a perda ou redução da produtividade econômica ou biológica dos ecossistemas secos causada pela erosão do solo, deterioração dos recursos hídricos e perda da vegetação natural.
OCORRÊNCIA DE PROCESSOS DE DESERTIFICAÇÃO NO NORDESTE
A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD) conceituou desertificação como o processo de degradação das terras em regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, em decorrência de fatores como a ação antropogênica e as mudanças climáticas. Essa degradação é a perda ou redução da produtividade econômica ou biológica dos ecossistemas secos causada pela erosão do solo, deterioração dos recursos hídricos e perda da vegetação natural.
De acordo
com estudo do Ministério do Meio ambiente (BRASIL 2002: 42), as áreas do
Nordeste com sinais extremos de degradação, os chamados “Núcleos de Desertificação”,
são Gilbués no Piauí, Irauçuba no Ceará, Seridó na fronteira dos estados da Paraíba
e Rio Grande do Norte e Cabrobó, em Pernambuco. Estima-se que o processo de
desertificação vem comprometendo uma área de 181.000 km2 decorrente de impactos
difusos e concentrados sobre o território da região. A super-exploração dos recursos naturais nessa região tem efeitos de médio prazo
sobre a qualidade ambiental na região, onde predominam, como atividades
econômicas, as culturas de subsistência, a pecuária extensiva e alguns
perímetros de agricultura irrigada. Muitas áreas irrigadas apresentam sinais de
salinização pela deficiência ou ausência de drenagem dos solos. Em cerca de 600
mil hectares irrigados no Nordeste registram-se sinais de salinização e/ou de
compactação do solo em aproximadamente 30 % da área (MMA 2002).
IMPACTOS POTENCIAIS DAS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS
O
relatório do IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change, denominado IPCC
AR4 (disponível no site http://ipcc-wg1.ucar.edu/) sobre as mudanças climáticas
concluiu, com mais de 90 % de confiança, que o aquecimento global dos últimos
50 anos é causado pelas atividades humanas. Segundo Marengo (2007), os
resultados deste estudo para a América do Sul indicam que as mudanças
climáticas mais intensas para o fi nal do Século XXI, relativas ao clima atual,
vão acontecer na região tropical, especificamente na Amazônia e no Nordeste do
Brasil. Estas duas regiões são, portanto, as mais vulneráveis do Brasil às
mudanças de clima.
Numa
atmosfera mais aquecida espera-se, de modo geral, a ocorrência de precipitações
pluviais mais intensas nas regiões mais úmidas, além de veranicos e ondas de
calor mais freqüentes. Na região semi-árida, a maioria dos cenários de mudanças
climáticas sinaliza para, com o aumento da temperatura: o aumento da evaporação
nos corpos d’água e, conseqüentemente, a redução do volume escoado nos mesmos;
a redução da recarga dos aqüíferos em até 70 % até o ano 2050 e, portanto, da
realimentação da vazão dos rios; a concentração do período chuvoso em um espaço
de tempo ainda menor, com redução da precipitação (cenário pessimista: para um
aumento da temperatura de 2 a 4 ºC, 15 a 20 % a menos de chuva; cenário
otimista: 1 a 3 ºC mais quente, 10 a 15 % de redução de chuva); a tendência de
“aridização” da região, com a substituição da caatinga por vegetação mais
típica de regiões áridas, como as cactáceas.
A
alteração dos processos hidrológicos na região semi-árida pode significar
diferentes tipos de prejuízos para as comunidades que vivem nessas regiões. Por
exemplo, é provável que ocorra aumento da salinização da água subterrânea e
superficial em virtude da elevação da evapotranspiração (Bates et al. 2008). Além
disso, nas bacias hidrográficas dessas regiões, as conseqüências de mudanças no
regime de vazões podem trazer prejuízos para a geração de energia hidroelétrica
e para a manutenção de projetos de irrigação e abastecimento da população.
Devem ser realizados estudos hidrológicos para predição e avaliação das
conseqüências da mudança do regime de vazões e dos processos
hidrológicos nas
bacias do Semi-Árido Nordestino. Pinto & Assad (2008) destacaram que na
maior parte do Brasil a elevação da evapotranspiração deverá, com seu
conseqüente reflexo na deficiência hídrica do solo,
acarretar um crescimento do risco climático para a produção agrícola. Baseado
em cenários do IPCC e simulações de cenários com as condições futuras para
plantio de diferentes culturas, os referidos autores destacaram que o aumento
de temperatura deverá diminuir o número de municípios com potencial agrícola
nos anos de 2020, 2050 e 2070. Segundo ainda os mesmos autores, com a
estimativa pelo IPCC de aridificação do semi-árido do Brasil e da perda da
produtividade de várias culturas, deverão ser produzidas conseqüências do ponto
de vista de segurança alimentar na região.
SOLUÇÕES PARA PROBLEMA DA ÁGUA NO
SEMI-ÁRIDO NORDESTINO
As secas e suas conseqüências
As secas e suas conseqüências
Desde os primórdios, as secas marcaram a história do Nordeste. Fernão Cardin (citado por
Souza 1979) relata que houve uma grande seca e esterilidade na província
(Pernambuco) e desceram do sertão, ocorrendo-se aos brancos no litoral cerca de
quatro ou cinco mil índios. Também merece destaque a citação ao Professor João
de Deus de Oliveira (Paulino 1992) que relata movimentos dos Tabajaras e
Kariris acossados pelas secas. Depreende-se dessas narrativas que os movimentos
migratórios já aconteciam dos sertões já aconteciam mesmo em uma época de baixa
densidade demográfica.
A
ocupação dos sertões foi bastante retardada em decorrência, principalmente, das
secas. Contudo, após uma carta régia, os criadores de gado tiveram que adentrar
os sertões. De 1845 a 1876, aconteceram 32 anos sem secas intensas, que
resultaram no aumento das populações e dos rebanhos sem o aumento da
infra-estutura hídrica. Veio, então, uma seca intensa e duradoura de 1877 a
1879, que resultou em trágica mortandade da região com estimativa de cerca de
500.000 óbitos. Foi a partir desse choque que atingiu a sociedade brasileira
que começou uma busca de soluções estruturais (Campos & Studart 1997). Foi
nessa seca, que se atribui a Dom Pedro II a frase: “venderei a última pedra da
minha coroa antes que um nordestino venha a morrer de fome”.
De
qualquer maneira, foi a partir dessa tragédia que ações mais efetivas, ainda em
ritmo lento, começaram a ser tomadas. O açude Cedro no Ceará, hoje um monumento
histórico de baixa capacidade hidrológica, foi iniciado ainda na época do
Império.
A busca de soluções
O
enfrentamento do problema da escassez de água de qualidade no semi-árido não se
deu através de uma solução única. A implantação de infra-estruturas
hidráulicas, isoladas ou combinadas, constituem as ações necessárias para
mitigar a problemática da água no semi-árido.
A definição
de infra-estrutura adequada e de estratégia de ação ou de gestão deve buscar o
aumento da disponibilidade pelo aumento da eficiência do uso e controle da
demanda e do desperdício, notadamente no que se refere à irrigação.
As
infra-estruturas podem ser agrupadas para atender dois tipos de demanda: a
demanda concentrada e a demanda rural difusa. Na primeira, por exemplo, nas
cidades e perímetros de irrigação grandes vazões são supridas e distribuídas
entre usuários próximos uns dos outros. Na demanda rural difusa, há uma
dispersão espacial muito grande e as soluções são específicas.
Vamos
iniciar pelos problemas regionais associados ao clima para contextualizar as
soluções praticadas e propostas.
Perfuração de poços
No
Nordeste, estima-se que cerca de 100.000 poços tenham sido perfurados. Pelo
fato de a maior parte da região semi-árida do Nordeste ser de formação
cristalina, poços usados como solução para o suprimento das diferentes
necessidades estão sujeitos às seguintes limitações:
• baixas
vazões, na maioria dos casos até 2 m3h-1;
• teores
de sais superior, em parcela significativa dos poços, ao recomendado para
consumo humano; e
• altos
índices de poços secos, dadas as peculiaridades geológicas.
Os poços
perfurados no cristalino têm profundidade da ordem de 50 m ao passo que nas bacias sedimentares as profundidades são variadas, na maioria dos casos entre 100 e 300 m.
perfurados no cristalino têm profundidade da ordem de 50 m ao passo que nas bacias sedimentares as profundidades são variadas, na maioria dos casos entre 100 e 300 m.
A
perfuração de poços em solos cristalinos tem sido feita em conjunção com
dessalinizadores de osmose reversa para a demanda rural. Em áreas sedimentares,
tem sido usada para atender ou complementar a demanda das cidades.
Não
obstante os dessalinizadores se mostrem eficazes na melhoria da potabilidade da
água, problemas precisam ser gerenciados, como segue: destinação do rejeito
proveniente da salinização, alto custo de manutenção e logística de operação
complexa. Para a destinação do rejeito, algumas soluções têm sido adotadas,
como: uso de tanques com lâminas d’água delgada para incremento da velocidade
de evaporação e a conseqüente deposição de sais; acumulação em tanques para a
criação de peixes como tilápia rosa e camarão marinho; cultivo de Atriplex
num-mularia, planta com grande capacidade de absorção de sais, originária da
Austrália e introduzida, com sucesso, no Chile, apresentando-se como excelente
forrageira, que contém entre 16 e 20 % de proteínas e tem uma sobrevida de até
20 anos (Montenegro & Montenegro 2004, Porto et al. 2006).
Cisternas rurais
A
construção de cisternas para guardar água de chuva é natural e intuitiva e tem,
por isso, sido praticada há milênios. Há registros de cisternas de mais de dois
mil anos em regiões como a China e o
deserto de Negev, hoje território de Israel e Jordânia (Gnadlinger 2000).
As
cisternas com capacidade de acumulação normalmente entre 7 e 15 m3 representam
a oferta de 50 litros diários de água durante 140 a 300 dias, admitindo que
esteja cheia no final da estação chuvosa e nenhuma recarga tenha ocorrido no
período. Tomados os devidos cuidados com a limpeza do telhado, da cisterna, da
calha e da tubulação, é uma solução fundamental para o atendimento das
necessidades mais essenciais da população rural difusa. Embora existam aos
milhares, espalhadas por todo o Nordeste, a quantidade de cisternas ainda é
ínfima quando comparada à necessidade da população rural difusa.
Contudo,
deve-se ter em mente que no clima do semi-árido a cisterna não consegue, sem
outras fontes, dar sustentabilidade às populações. Deve ser usada como parte da
solução para as populações difusas. Um exemplo dessa limitação está na
instalação dos Jesuítas em Dom Maurício, no município de Quixadá. Os Jesuítas
estabeleceram-se na área no final do século XVIII e construíram um
convento/colégio com sustentação hídrica baseada em um conjunto de grandes
cisternas. Na seca de 1915, eles fecharam o convento/colégio por absoluta falta
de água. Atualmente, o convento é administrado por freiras que utilizam as
cisternas em conjunto com outras fontes de água, como um pequeno açude das
proximidades.
Barragens subterrâneas
As
barragens subterrâneas justificam-se pela necessidade de incrementar a
acumulação das águas nos aqüíferos aluviais das bacias de rios intermitentes. O
regime de precipitações com chuvas em geral de curta duração e elevada
intensidade e a limitada capacidade de infiltração do solo faz com que boa
parte dessa precipitação seja perdida por rápido escoamento superficial.
Dispositivos comuns de captação do escoamento superficial nessas bacias
hidrográficas constituem os açudes e barreiros que, devido às altas taxas de
evaporação características do semi-árido, têm parte significativa de seu volume
armazenado perdido antes da utilização. A evaporação também tende, nesses
casos, a incrementar a salinidade das águas captadas nesses dispositivos,
tornando sua utilização imprópria para diversos fins. A barragem subterrânea promove a infiltração e o
armazenamento da água de chuva no depósito aluvial, com maior proteção à
evaporação e à salinização quando comparada com os açudes e barreiros (Costa et
al. 2000). Apesar de ser uma tecnologia bem antiga e de simples execução, não
vinha sendo aplicada no Brasil como um tipo de obra hídrica estruturadora.
Diversos estados do Nordeste vêm construindo barragens subterrâneas, a exemplo
de Pernambuco, Paraíba e Bahia.
Reaproveitamento/tratamento de
águas servidas
De forma
geral, a destinação de esgotos com baixo ou nenhum tratamento ainda continua
sendo os corpos d’água. As conseqüências são: poluição, doenças de veiculação
hídrica, destruição da biodiversidade e redução da disponibilidade de água
potável. A disposição de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo, em
rios e reservatórios tem resultado na eutrofização de mananciais e na floração
de algas tóxicas chamadas cianofíceas, que constituem verdadeiras pragas para
os reservatórios. Essas algas liberam toxinas (neurotoxinas e hepatotoxinas)
que podem causar sérios danos à saúde humana, até mesmo a morte. O tratamento
da água é, além de difícil, extremamente dispendioso.
No
Nordeste, o reuso de água para atividades industriais vem surgindo em setores
como, por exemplo, na produção de confecções. Ainda é muito tímida
resumindo-se, praticamente, a projetos-piloto e à reutilização de efluentes
sanitários, tratados ou não, para atividades agrícolas.
Um dos
agravantes desse problema é a construção de sistemas de distribuição de águas
sem destinação apropriada para as águas usadas. Os pequenos reservatórios são
particularmente vulneráveis a esse problema. A intermitência dos rios limita,
drasticamente, o poder de autode-puração dos mesmos. Esse é um tema onde ainda
há muito campo para pesquisas.
Campello
Netto et al. (2007: 494) comentaram que, em certos países, como Israel, razões
culturais e déficit hídrico favorecem a aplicação de resíduos ao solo em vez de
descarregá-los nos corpos d’água. A aplicação de resíduos orgânicos na agricultura
tem recebido maior atenção por causa dos custos e dos problemas ambientais
associados com a disposição de resíduos, além de, como citado, da baixa
disponibilidade de água limpa para os processos de produção.
No
Nordeste, o reuso de água para atividades industriais vem surgindo em setores
como, por exemplo, a produção de confecções. Hespanhol (2003) destacou que, nas
condições de escassez de água no Nordeste semi-árido, pode-se salientar como
palavras-chave em termos de gestão o reuso e a conservação; o autor analisou o
potencial de reuso de água no Brasil para diversos fins, particularmente para
os não potáveis. Ainda é muito tímida e praticamente se resume a projetos-piloto,
a reutilização de efluentes sanitários, tratados ou não, para atividades
agrícolas.
Transporte de água a grande
distância
No que se
refere ao abastecimento humano nas cidades do semi-árido que não dispõem de mananciais
próximos, a construção de adutoras é a solução mais adequada, seja a partir de reservatórios
de maior porte, seja a partir de poços em áreas sedimentares (com maior
restrição para que sejam identificadas as potencialidades dessas reservas no
que tange, principalmente, aos mecanismos de recarga), ou mesmo a partir de
rios e reservatórios mais distantes, mesmo em outras bacias hidrográficas,
configurando as chamadas transposições ou transferências de água entre bacias.
Grandes
aduções foram construídas ou estão em construção ou projetadas para abastecer
as cidades do semi-árido. Por exemplo, o Canal da Integração, no Ceará, em fase
de conclusão, deve conduzir águas da bacia do Jaguaribe por 225 km, a partir do
reservatório Castanhão até Fortaleza.
Daí, as águas são distribuídas por toda a Região Metropolitana de Fortaleza,
incluindo a área do Porto de Pecém.
Outra
situação hoje vivenciada é o início das obras para transposição de águas do rio
São Francisco (BRASIL 2000) para os estados do Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba e Pernambuco. Segundo o Ministério da Integração Nacional, no final do
projeto haverá retirada contínua de 26,4m³ s-1 de água, equivalentes a 1,4 % da
vazão garantida pela barragem de Sobradinho (1.850 m³ s -1). Esta vazão será
destinada ao consumo da população urbana de 390 municípios do Agreste e do
Sertão dos quatro estados do Nordeste Setentrional. Nos anos em que o
reservatório de Sobradinho estiver vertendo, a vazão aduzida poderá chegar a
127m³ s-1.
O chamado
Eixo Norte da transposição foi projetado para uma capacidade máxima de 99 m³s-1 e
deverá operar com uma vazão contínua de 16,4 m³ s-1, destinada ao consumo
humano.
Os
volumes excedentes transferidos serão armazenados em reservatórios existentes
nas bacias receptoras. No Estado de Pernambuco, os Eixos Norte e Leste
servirão, ao atravessarem o seu território, de fonte hídrica para sistemas
adutores existentes ou em projeto, responsáveis pelo abastecimento de
populações do Sertão e do Agreste.
CONCLUSÕES
O
fortalecimento da infra-estrutura hídrica do Nordeste como política de
convivência com as secas tem sido praticado desde os tempos do Império. Muito
já foi construído e não se tem mais a vulnerabilidade do início do século
passado. Contudo, ainda há muito a ser feito. Há necessidade, também, de tornar
os investimentos mais eficientes. Há ainda, entretanto, um grande segmento da
população rural que vive em condições vulneráveis e com baixo acesso a água de boa
qualidade.
Para
elaborar uma boa política, é importante que se entenda a particularidade das
soluções.
Não se
pode imaginar que grandes canais e adutoras irão abastecer as populações rurais
difusas, exceto aquelas próximas ao traçado das obras. Portanto, cisternas,
pequenos reservatórios, poços, dessalinizadores devem ter seu uso ampliado e
melhorado, particularmente no que tange à sua operação e manutenção. Pequenos
açudes e barragens subterrâneas devem, onde for adequado, ser empregados para
fomentar a agricultura familiar de forma sazonal. A piscicultura nos grandes
reservatórios é fonte importante de alimentação e renda, respeitados os limites
para evitar a eutrofização dos mesmos.
Com a
prática da gestão de recursos hídricos, fomentada através da Lei nº 9.433,
ações emergenciais devem ser substituídas por ações de planejamento e gestão da
água de forma integrada, participativa e descentralizada, em apoio às ações dos
órgãos gestores locais, estaduais e organizações não governamentais. Em
essência, o que todos queremos para o Brasil é um país justo, desenvolvido e
ambientalmente correto. Contudo, um país meio desenvolvido é um país subdesenvolvido.
Assim, a continuação de políticas públicas para reduzir as desigualdades regionais
é ainda uma tarefa para políticos e governantes. A busca pelo correto
entendimento dos processos e políticas regionais é a colaboração que os pesquisadores
e cientistas podem dar.
REFERÊNCIAS CITADAS
ANA,
Agência Nacional de Águas. 2005. Atlas Nordeste: abastecimento urbano de água.
Brasília, DF.
Bates,
B.C., Kundzewicz, Z.W., WU, S. & Palutikof, J.P. 2008. Climate
change and water. Technical Paper of the Intergovernmental Panel on Climate
Change, IPCC Secretariat, Geneva. 210 p.
BRASIL. 2000. Ministério da Integração
Nacional. Projeto de transposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste
Setentrional. Brasília, 10 vols.
BRASIL.
2002. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos. Avaliação
das águas do
Brasil. Brasília. 86 p.
Campello
Netto, M.S.C., Costa, M.R. & Cabral, J.J.S.P. 2007. Manejo integrado de
água no semi-árido brasileiro. In: Cirilo, J.A., Cabral, J.J.S.P., Ferreira,
J.P.L., Oliveira, M.J.P.M., Leitão, T.E., Montenegro, S.M.G.L. & Góes, V.C.
(orgs.). O uso sustentável dos recursos hídricos em regiões semi-áridas. ABRH,
Editora Universitária da Universidade Federal de Pernambuco. p. 473-501.
Campos,
J.N.B. & Studart, T.M.C. 1997. Droughts and water policy
in Northeast of Brazil: back-ground and rationale: water
policy. Universidade
de São Paulo, São Paulo. Vol. 11(29): 127-154.
Cirilo,
J.A. 2008. Políticas públicas de recursos hídricos para o semi-árido brasileiro.
Universidade de São Paulo, São Paulo. Vol. 63: 61-82.
Cirilo,
J.A., Costa, W.D., Goldemberg, D., Abreu, G.H.F., Azevedo, L.G.T. & Baltar,
A.M. 2003. Soluções para o suprimento de água de comunidades rurais difusas no
semi-árido brasileiro:
avaliação
de barragens subterrâneas. Revista Brasileira de Recursos Hídricos 00: 5-24.
Cirilo,
J.A., Góes, V.C. & Asfora, M.C. 2007. Integração das águas superfi ciais e
subterrâneas. In: Cirilo, J.A., Cabral, J.J.S.P., Ferreira, J.P.L., Oliveira,
M.J.P.M., Leitão, T.E., Montenegro, S.M.G.L.
&
Góes, V.C. (orgs.). O uso sustentável dos recursos hídricos em regiões
semi-áridas. ABRH, Editora
Universitária da Universidade Federal de Pernambuco. p. 167-175.
Costa,
M.R. 2009. Qualidade e sustentabilidade hídrica: avaliação de estratégias e
políticas de convivência
com o semi-árido. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
Costa,
W.D., Cirilo, J.A., Abreu, H.F.G. & Costa, M.R. 2000. Monitoramento das
barragens subterrâneas no Estado de Pernambuco. In: V Simpósio de Recursos
Hídricos do Nordeste ABRH/LARHISA, Natal, Anais em CD.
Demetrio,
J.G.A., Feitosa, E.C. & Saraiva, A.L. 2007. Aqüiferos Fissurais. In:
Cirilo, J.A., Cabral, J. J. S. P., Ferreira, J.P.L.,Oliveira, M.J.P.M., Leitão,
T.E., Montenegro, S.M.G.L. & Góes, V.C. (orgs). O uso sustentável dos
recursos hídricos em regiões semi-áridas. ABRH, Editora Universitária da Universidade
Federal de Pernambuco. p. 105-132 Gnadlinger, J. 2000. Técnicas de diferentes
tipos de cisternas, construídas em comunidades rurais do semi-árido brasileiro.
Anais do 1º. Simpósio sobre Captação de Água de Chuva no Semi-Árido Brasileiro.
Hespanhol,
I. 2003. Potencial de reuso de água no Brasil: agricultura, indústria,
municípios, recarga de
aqüíferos. BAHIA ANÁLISE & DADOS. Salvador. Vol. 13, número especial, p.
411-437.
Marengo,
J. 2007. Aquecimento global e as conseqüências das mudanças climáticas no
Nordeste do Brasil. CPTEC/INPE, São José dos Campos, SP. 54 p.
Montenegro,
S.M.G.L. & Montenegro, A.A.A. 2004. Aproveitamento sustentável de aqüiferos
aluviais no semi-árido. In: Cabral et al. Água subterrânea: aqüiferos costeiros
e aluviões, vulnerabilidade e aproveitamento, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
MMA,
Ministério do Meio Ambiente. 2004. Programa de ação nacional de combate à
desertificação e mitigação dos efeitos da seca.PAN Brasil. 213 p.
MMA,
Ministério do Meio Ambiente. 2002. GEOBRASIL 2002: perspectivas do meio
ambiente no Brasil. Edições IBAMA. 440 p.
Paulino,
F.S. 1992. Nordeste, poder e subdesenvolvimento sustentado: discurso e prática.
Edições
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
PERNAMBUCO.
2008. Secretaria de Recursos Hídricos, Plano Estratégico de Recursos Hídricos e
Saneamento. Secretaria de Recursos Hídricos. Recife. 112 p.
Pinto,
H.S. e Assad, E. 2008. Aquecimento global e a nova geografia da produção
agrícola no Brasil.
EMBRAPA Agropecuária/UNICAMP, São Paulo. 82 p.
Porto,
E.R., Amorim, M.C.C., Dutra, M.T.D., Paulino, R.V., Brito, L.T.L. & Matos, A.N.B.
2006. Rendimento da Atriplex nummularia irrigada com efluentes da criação de
tilápia em rejeito da dessalinização
de água. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 10: 97-103.
PROJETO
ÁRIDAS. 1994. Nordeste: uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
Brasília,217 p.
Rebouças,
A.C. 1997. Água na Região Nordeste: desperdício e escassez. Universidade de São Paulo,
São Paulo. Vol. 11(29): 127-154.
Souza,
J.G.O. 1997. Nordeste brasileiro: uma experiência de desenvolvimento regional.
Banco do
Nordeste do Brasil, Fortaleza. 410 p.
SUDENE.
1980. PLIRHINE: Plano de Aproveitamento Integrado dos Recursos Hídricos do Nordeste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário