4 de set. de 2013

Características do Semiárido brasileiro: fatores naturais e humanos


Pedro Carlos Gama da Silva e outro 
O Semiárido brasileiro é um dos mais povoados do mundo e, em função das adversidades climáticas, associadas aos outros fatores históricos, geográficos e políticos que remontam centenas de anos, abriga a parcela mais pobre da população do país (NORDESTE..., 1999). Grande parte da população que vive nessa área está diretamente vinculada a atividades agropastoris e busca seu sustento sobre a base de recursos naturais existentes em suas propriedades ou no entorno destas. Tais atividades são altamente dependentes da chuva e, em razão das adversidades climáticas, com ciclos de secas acentuados, resultam em forte degradação ambiental.
Estudos realizados em ambientes semiáridos demonstram uma estreita ligação da atuação do homem sobre o meio, com processos negativos sobre a flora e a fauna silvestre e, principalmente, sobre os solos, onde os processos erosivos se intensificam e passam a constituir indícios marcantes de desertificação, estando o clima fortemente associado a este contexto.
Aspectos naturais
A característica marcante da região semiárida é a ocorrência de uma variedade de paisagens e ambientes. A região semiárida contempla 17 grandes unidades de paisagens, por sua vez subdivididas em 105 unidades geoambientais, de um total de 172 no Nordeste como um todo (SILVA etal., 1993).
Em relação à geologia, Jacomine (1996) dividiu a região em três áreas conforme a natureza do material originário: áreas do cristalino, áreas do cristalino recobertas por matérias mais ou menos arenosos e áreas sedimentares.
O relevo da região é muito variável, o que contribui para o elevado numero de grandes unidades de paisagem mencionado. A altitude média fica entre 400m e 500m, mas pode atingir 1.000m. Ao redor de 37% da área é de encostas com 4% a 12% de inclinação e 20% de encostas têm inclinação maior que 12%, o que determina uma presença marcante de processos erosivos nas áreas antropizadas (SILVA, 2000).
Quatro ordens de solos, de um total de quinze, ocupam 66% da área sob a caatinga, espacialmente fracionadas (Latossolos – 19%; Neossolos Litólicos – 19%; Argissolos – 15% e Luvissolos – 13%). Segundo Silva (2000), 82%da região apresentam solos de baixo potencial produtivo, seja por limitações de drenagem e de elevados teores de sódio (Na) trocável (CUNHA et al., 2008; SALCEDO; SAMPAIO, 2008).
Clima e hidrografia
A precipitação pluviométrica do Semiárido brasileiro é marcada pela variabilidade inter-anual, que, associada aos baixos valores totais anuais de chuva, contribui, como um dos principais fatores, para a ocorrência dos eventos de “secas”. De acordo com estudo de Marengo (2006) e Rebouças et al. (2006), é apresentada a cronologia das secas ocorridas a partir do século 16, que podem ser associadas às crises de produção agrícola e de suprimento de água e alimentos para a população e os rebanhos. A estes períodos de seca, também, se relacionam os movimentos sociais que normalmente ocorrem na região. Segundo o mesmo autor, ocorrem entre 18 e 20 anos de seca por período de 100 anos, com ocorrência mais frequente a partir do século 20.
No que se refere aos totais anuais, a climatologia das precipitações no Semiárido a qual abrange todo o Nordeste, se observa que, à medida que se afasta do litoral leste, onde as chuvas são superiores a 1.000mm, e se vai adentrando para o interior da região, nos limites do Semiárido, as precipitações diminuem e alcançam valores médios inferiores a 500mm anuais. No centro, que coincide com o núcleo do Semiárido, é onde se verificam os menores índices totais anuais de chuva, em função de essa região coincidir com o ponto final de influência das principais frentes que convergem para o interior do Nordeste.
O valor anual da precipitação nem sempre guarda correspondência com a qualidade da estação chuvosa para o sucesso da atividade agropecuária, vez que podem ocorrer períodos prolongados de estiagem, que se intercalam com episódios de chuvas mais intensas, ocasionando a conhecida “seca verde”, que também afeta negativamente a produção agrícola e a disponibilidade de forragem para os animais. Dessa forma, a distribuição temporal da chuva é muito importante. As chuvas são concentradas em apenas três ou quatro meses e ocorrem em poucos dias do ano, sendo, em geral, intensas e intercaladas por períodos de veranicos.
A quadra chuvosa para os estados do norte do Nordeste, como Ceará, Rio Grande do Norte e parte da Paraíba, ocorre entre os meses de fevereiro e maio, enquanto que no oeste da Paraíba e Pernambuco, leste do Piauí e norte da Bahia, os meses mais chuvosos são janeiro, fevereiro, março e abril, sendo que em algumas dessas regiões, já é possível observar a ocorrência de precipitação no mês de dezembro.
A irregularidade no regime pluviométrico, acompanhada pelo intenso calor, resulta em elevadas taxas de evapotranspiração potencial e real, as quais reduzem a umidade do solo e a quantidade de água armazenada nos reservatórios. Em outras palavras, a precipitação reduzida e irregular e as altas taxas evapotranspiratórias durante o ano resultam em um balança hídrico negativo.
No Nordeste, a evaporação varia de 1000 mm.ano-1, no litoral da Bahia e Pernambuco, atingindo 2.000 mm.ano-1 no interior do Semiárido, podendo chegar a 3.000 mm.ano-1 (IICA, 2002) na área do chamado “Cotovelo do São Francisco”, próximo a Petrolina, PE/Juazeiro, BA. Os valores mais elevados ocorrem nos meses de outubro a dezembro e os mínimos, de abril a junho.
A vulnerabilidade dos agroecossistemas diante desse fenômeno natural e constituir alternativas de desenvolvimento sustentável.
Aproveitamento econômico sustentável dos recursos naturais – as bases de um plano de desenvolvimento  socioeconômico sustentável para o Semiárido. No livro Solo e água no Polígono das Secas, publicado pela primeira vez em 1949, Duque (1973) estabeleceu o
José Guimarães Duque
enfoque ecológico associado ao desenvolvimento econômico e social, embora, na época, não existisse o conceito de desenvolvimento sustentável com suas dimensões social, econômica e ambiental. É enfatizado neste livro que o atraso do Semiárido se explica por uma complexa articulação entre os condicionantes ambientais, socioeconômicos, políticos e despreparo da população ou desprezo às técnicas. À época, já era recomendado um forte programa de educação com enfoque mais tecnológico, visando fornecer subsídios à população sobre os problemas regionais e suas soluções. Também, foi dada ênfase à necessidade da multidisciplinar-idade, como forma de melhor compreender a região e identificar tecnologias sustentáveis, nos conceitos atuais.
Com disponibilidade hídrica de mais de 85 bilhões de metros cúbicos de água, dos quais, aproximadamente, 65% encontra-se nos reservatórios de Sobradinho (34,116 bilhões), Itaparica (11,782 bilhões), Xingó (3,800 bilhões), Moxotó (1,226 bilhões) e Boa Esperança (5,085 bilhões), todos localizados na bacia do São Francisco (PROJETO ÁRIDAS, 1994).
Estima-se, atualmente, que em todo o Nordeste existam por volta de 150.000 poços profundos (CPRM, 2001). Entretanto, devido às  características geológicas, com o predomínio das cochas cristalinas, os sistemas aqüíferos são do tipo fissural e apresentam baixas vazões, em geral, inferiores a 3 m³.h-¹, com elevados teores de sólidos dissolvidos totais, registrando, em media, 3 g.L-¹, com predominância de cloretos (LEAL, 1999).
A condição de baixa disponibilidade hídrica nesta região poderá se agravar caso se confirmem os cenários globais das alterações climáticas, indicados no Relatório sobre Mudanças Climáticas do Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC). Especificamente, no caso do Brasil, os impactos mais severos seriam no Semiárido, que tenderia a ficar mais seco em função de: a) redução de 15% a 20% das chuvas e ocorrências de secas mas intensas; b) significativa redução no nível de água dos reservatórios subterrâneos, com estimativas de até 70% até o ano 2050;c) aumento da temperatura entre 3ºC e 4ºC para a segunda metade do século 21, com sérias consequências na redução das vazões do Rio São Francisco (15% a 20%) e aumento nas taxa de evaporação dos reservatórios de águas superficiais, e d) alteração na composição da Caatinga, dando lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas (MARENGO, 2006).
Confirmadas estas previsões, com o agravamento da escassez de água, segundo Brown et al. (2000), surgiriam consequências graves na disponibilidade de alimentos, considerando a necessidade média de mil toneladas de água para produção de uma tonelada de grãos. A competição pela água influenciaria, portanto, na escassez de alimentos para a população sempre crescente, principalmente nas regiões que já sofrem com problemas de falta de alimentos e água, até mesmo para atender o consumo humano.
No contexto do uso da água na agricultura, Falkenmark (2002), citando por Gnadlinger et AC. (2007), ressalta que o uso de tecnologias de captação e manejo de água de chuva é indispensável em regiões áridas e semiáridas, pois além de fornecer água para o consumo das famílias, possibilita seu uso pelas plantas, denominada de “água verde” ou “água azul”, e para os animais.
Os conhecimentos acumulados sobre os recursos naturais do Semiárido brasileiro, principalmente no que concerne ao total anual das chuvas ocorridas, permitem concluir que não é a falta de chuvas a responsável pela oferta insuficiente de água na região, mas sua má distribuição, associada a uma alta taxa de evapotranspiração, bem como a falta de políticas publicas para disponibilizar os meios e orientar a população para captar e armazenar a água das chuvas para ser utilizada no período seco. A esses fatores naturais e políticos, está associado o uso inadequado da água nos mais variados setores – agrícola (irrigação), indústria, uso doméstico, entre outros, gerando desperdícios e contaminação. Assim, é essencial  o uso racional da água adotando-se iniciativas para reduzir o consumo e estimular novas atitudes e comportamentos que gerem menos degradação. A sociedade deve pensar e agir com foco no desenvolvimento econômico, porém, preservando os recursos naturais, sobretudo a água. A educação e a conscientização do consumidor são fundamentais para induzir mudanças em seus hábitos,

decisivas em regiões com limitação naturais de água.
Diante deste cenário, o maior desafio a ser enfrentado para produzir alimentos, talvez não seja a escassez de água, mas uma gestão integrada e compartilhada com os diferentes usuários dos recursos hídricos, como preconizada pela Política Nacional de Recursos (BRASIL, 1997), fortalecida pelo uso de inovações tecnológicas voltadas para captação, armazenamento e uso racional da água de chuva, de forma a reduzir os riscos da produção agrícola.
Vegetação e Fauna
A composição florística desse bioma não e uniforme e varia de acordo com o volume das precipitações pluviométricas, da qualidade dos solos,  da rede hidrográfica e da ação antrópica, sendo que essa heterogeneidade, tanto em relação a fisionomia quanto a composição, tem levado alguns autores  a utilizar sua denominação no plural – as caatingas brasileiras (ANDRADE-LIMA, 1981).
Aspectos socioeconômicos
O Semiárido brasileiro, com quase toda a região nordeste, apresenta os piores indicadores econômicos e sociais do Pais. No tocante às atividades econômicas, estas ainda padecem da
consequência direta da herança da arcaica estrutura agrícola  regional com sérios problemas de concentração e desigualdade na distribuição de terras. Em decorrências, ainda predominam os sistemas agrícolas diversificados de base familiar, explorados com baixa eficiência de produção, responsáveis por uma crescente degradação de recursos naturais.
Com uma economia em crise por causa da desorganização das suas principais atividades econômicas, historicamente vinculadas ao complexo gado-algodão-lavouras alimentares, grande parte da população do Semiárido vive de uma “economia sem produção”, aqui entendida como aquela construída pelas subvenções sociais e pelas transferências da União para as prefeituras e governos estaduais (GOMES, 2001). As transferências de renda promovidas pelo governo federal chegam a beneficias mais de 60% das famílias dos municípios com população inferior a 50 mil habitantes, com baixo PIB per capita, e têm melhorado substancialmente as condições de vida das populações (HADDAD,2007).
Nestas áreas dotadas de infra estrutura de irrigação, despontam vários pólos agroindustriais, com carros-chefe dos setores dinâmicos da economia regional.

Os seis principais polos irrigados localizados na região semiárida (Petrolina, PE/Juazeiro, BA, oeste Baiano, Baixo Jaguaribe, CE, Alto Piranhas, PB, Açi-Mossoró, RN e norte de Minas) concentram 197.816 há irrigados, que correspondem a 27% da área irrigada no Nordeste (BANCO DO NORDESTE,2000). Uma área irrigada considerável em breve estará entrando em produção, com a entrada em operação de novos projetos  de irrigação públicos em fase de implantação, em sua maioria, concebidos para os estabelecimentos de parcerias público-privadas na sua exploração. A pesquisa teve papel importante na geração de conhecimentos e tecnologias para a agricultura irrigada, como uso e manejo de água , uso de fertilizantes, introdução, avaliação e recomendação de variedades de frutas e hortaliças, dentre várias outras contribuições.
Vale ressaltar o crescimento do numero de experiências organizacionais e produtivas bem sucedidas,seja em condições de sequeiro, seja em regime de pequenas irrigações, desenvolvidas em torno da agricultura familiar, que vêm superando a vulnerabilidade dos agro-ecossistemas diante das secas e constituindo alternativas econômicas sustentáveis. Diante da perda progressiva da capacidade das atividades agrícolas tradicionais de gerar renda para os grupos sociais que delas dependem, despontam atividade, agrícolas ou não, que local, que passam a constituir um elemento importante na busca de alternativa para a crise da economia da região. Várias delas derivam da dinamização de atividades produtivas tradicionais de reconhecida importância econômica e social, como pecuária de leite, ovinocaprinocultura, apicultura, cotonicultura, fruticultura, dentre outras.
Algumas dessas iniciativas de sucesso, potencializadas pela ação de organizações da sociedade civil, vêm contribuindo para formar uma nova consciência para o desenvolvimento do Semiárido, substituindo o conceito de  “combate às secas” pelo de “convivência com o Semiárido”, à muito tempo preconizado e defendido pela Embrapa Semiárido.
Considerações finais
O Semiárido brasileiro apresenta uma elevada dependência dos recursos naturais e os mais baixos indicadores sociais do País. No tocante às atividades econômicas, ainda predominam os sistemas agrícolas explorando com baixa eficiência de produção, responsáveis por uma crescente degradação dos seus recursos naturais.
Entende-se que é possível encontrar os meios necessários ao progresso técnico da agricultura e promover maior eficiência da unidade de produção agrícola, a partir da organização dos fatores produtivos de que ela dispõe. Nessa perspectiva, não se trata  somente de buscar o aumento da produção e da produtividade dos produtos cultivados, mas, principalmente, o sistema de produção que melhor se adapte a determinadas condições ecológicas e socioeconômicas.

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