1 de abr. de 2013

SECA NA BAHIA - FAEB atraiu produtores e autoridades de todo Estado


Presidente da FAEB, João Martins.
A Faeb reuniu nesta terça-feira, 26, centenas de produtores, lideranças rurais do semiárido baiano e autoridades, para discutir os efeitos da longa estiagem que atinge todo o Nordeste. Com o objetivo de documentar a dramática realidade vivida pelos sertanejos baianos, foram colhidos durante toda manhã depoimentos dos produtores, que revelaram todas as dificuldades enfrentadas nesse período, as estimativas de perdas e possíveis soluções para amenizar os efeitos da seca. “Iremos levar para o Governo Federal, a partir do relato de cada produtor rural, uma proposta com o diagnóstico da atual realidade do semiárido baiano”, ressaltou o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB), João Martins. Confira  a seguir:
a) Trecho do pronunciamento de José Caetano (Sindicato dos Produtores Rurais de Ipirá)  durante o encontro.
b) Ofício do Sindicato dos Produtores Rurais de Ipirá com sugestões para recuperação da Agropecuária na região.
a) Trecho do pronunciamento de José Caetano:
[…] Precisamos reconhecer um fato: os governos, federal e estadual não provocaram esta seca. Trata-se, como sabemos, de um fenômeno climático natural.A seca que “deixou o sertão em chamas” usando uma expressão de um companheiro nosso de Irecê, José Carlos, foi resultado de uma longa sucessão de anos ruins que lenta e progressivamente esmagou a produção. Mas, apesar de ser um fenômeno natural não é, contudo um “problema da natureza” como alguns podem pensar. Quem definiu melhor esta questão foi o eminente geógrafo baiano, Professor Milton Santos, quando disse:
“A SECA NÃO É QUESTÃO DA NATUREZA… É QUESTÃO DA SOCIEDADE, PORTANTO… UMA QUESTÃO POLÍTICA”.
Hoje estamos aqui para tratar de uma questão POLÍTICA. Não me refiro à política-partidária, nem a este ou aquele governante, mas sim, à política como planejamento, como gerência do estado, como processo de fazer as coisas acontecerem, como decisão de governo. É a falta desta decisão que tem perpetuado a seca como mazela do sertão nordestino. É a falta de decisão política, que faz existirem notáveis semelhanças entre as “Medidas Emergenciais” de agora, com as ”Frentes Produtivas” da seca de 1983, com as “Frentes de Trabalho” da seca de 1970 ou com as “Frentes de Emergência” da seca de 1958. Todas estas, trazem basicamente o mesmo discurso, a mesma transitoriedade e  a mesma inconsistência. […]
Em nome do Sindicato dos Produtores Rurais de Ipirá, quero concluir aproveitando a oportunidade que me concedem para dizer:
Chegou a hora de perdermos a tolerância. Chegou a hora de dizer “chega”: Chega de esperar meses pelo milho e pelo credito que não vem. Chega de propaganda enganosa.Chega destas “normas” do Banco do Nordeste que significam unicamente indiferença burocrática para com a produção do semiárido. Chega dos dados oficiais de que 114 mil produtores do nordeste devem à união… E a união, quanto deve aos produtores rurais do semiárido brasileiro?
A seca, como problema permanente do nordeste, não é conseqüência da falta de chuvas, mas sim da falta de difusão de tecnologias corretas e de recursos para implementação das soluções adequadas. A seca é resultado da negligência e do descaso do Estado brasileiro para com o sertão semiárido.
b) Ofício n.° 01/2013
Ipirá, 21 de março de 2013.
A Federação da Agricultura do Estado da Bahia – FAEB. Dr. JOÃO MARTINS DA SILVA JÚNIOR. Presidente. Assunto: Resposta ao Ofício 021/2013
Senhor Presidente
Em atenção ao Oficio 021/2013 de 15 de março de 2013 segue nossa contribuição:
Com relação a um “programa de recuperação da agropecuária do nordeste”, entendemos que não se verifica insuficiência em matéria de soluções tecnológicas. Como é do conhecimento do sistema sindical, existe todo um acervo de técnicas capazes de mitigar os efeitos de crises climáticas e promover o desenvolvimento sustentável da região. Desde que não faltem recursos financeiros, com a aplicação prática destas tecnologias*, os produtores rurais do semiárido serão capazes de conviver com os riscos climáticos que tradicionalmente enfrenta e mesmo com os riscos acrescidos em função das prováveis “mudanças climáticas” em curso.
*palma adensada, genética animal e vegetal compatível com o ambiente, práticas de conservação de forragem,  captação e acumulação de reservas hídricas,   irrigação, recuperação de áreas degradadas, revitalização de nascentes e matas ciliares, controle de queimadas, arborização de pastagens, cultivos em alamedas, cercas vivas forrageiras, construção de barragens de contenção de sedimentos, barragens sucessivas, barragens subterrâneas, terraceamentos, cordões de pedra em contorno, cordões de vegetação permanente, quebra-ventos, adequação de estradas vicinais, plantio direto, cultivo mínimo, escarificação, subsolagem, sulcos barrados, captação “in situ”, cobertura morta, adubação verde, adubação orgânica, calagem, uso de áreas úmidas para produção de alimentos,etc.
A violenta seca, entretanto,provocou um efeito desestruturante sem precedentes. Pastagens e reservas de palma foram consumidas até a exaustão assim como as reservas de capital.  Os produtores venderam parte significativa de seus rebanhos por preços irrisórios e foram forçados ao  endividamento com amigos, parentes, bancos ou mesmo agiotas. Sem mais nada poder fazer, assistiram dezenas, quando não centenas, de animais morrerem de fome e sede. A drástica redução da atividade agropecuária (empresarial ou familiar), o atual estágio de empobrecimento e a necessidade premente de obter o sustento, impossibilitam os investimentos necessários à adoção das tecnologias de convivência mencionadas.
O grande desafio atual é, portanto a viabilização destes investimentos o que só será possível com Crédito Rural.
1.       Crédito Rural: a) verdadeiramente emergencial e desburocratizado; b) prorrogação/renegociação das dívidas rurais e rebate significativo; c) anistia para financiamentos que tiveram resultado operacional comprometido pela seca; d) e concessão de crédito novo para investimentos de reestruturação.
"Aprendi que Política Agrícola é, essencialmente, Crédito Rural. Além daí o que parece haver é muito academicismo, é tecnocrata maniqueísta subvertendo prioridades e o desenvolvimento, por alienação, da arte de explicar porque não se faz”. 
Manoel Dantas Vilar Filho
Resolvida esta primeira urgência, evidentemente serão necessárias ações estruturantes. Sugerimos algumas:
2.       Ações no sentido de minimizar os custos da atividade leiteira.
São evidentes os
benefícios da atividade leiteira nas propriedades rurais do semiárido* (fluxo de caixa, menores riscos e alta liquidez). Também evidentes, são as desvantagens do semiárido quando comparados os “custos de produção” com regiões de recursos naturais mais abundantes (mais úmidas). Portanto, para equilibrar estas desigualdades são necessárias medidas compensatórias, como: desonerar a carga tributária de insumos, máquinas e equipamentos para os produtores de leite.
*Ipirá, por exemplo, está entre as dez maiores populações rurais do estado da Bahia, tem a sua atividade agropecuária predominantemente formada por pequenos produtores, na sua grande maioria dedicados à atividade leiteira.
3.       Desenvolvimento do Sistema de Produção Agrossilvipastoril.
Nenhuma outra região do país necessita tanto de fomento a este sistema de produção (que combina cultura, árvores e animais)  quanto o semiárido nordestino. Do ponto de vista ambiental é talvez a “única” alternativa sustentável. Investimentos neste sistema não oferecem, entretanto retorno econômico a curto e mesmo médio prazo. É necessário, portanto uma política diferenciada para o semiárido, com financiamentos progressivos, de muito longo prazo de carência e amortização.
“Ou a convivência sustentável ou o deserto, eis a questão”.
Roberto Malvezzi
4.       Programa específico para recuperação de pastagens degradadas.
Recente estudo* da FAO apresenta o manejo de pastagens como a “segunda mais importante tecnologia agrícola atualmente disponível para suavizar as alterações climáticas” e  destaca o “grande potencial inexplorado de seqüestro e armazenamento de carbono nos solos sob pastagens dos sistemas pastoris e agropastoris das regiões secas do planeta". Um bom programa neste sentido traria, portanto benefícios econômicos, sociais e ambientais.
*Review of evidence on drylands pastoral systems and climate change - Implications and opportunities for mitigation and adaptation
5.       Programa que estimule o "empreendedorismo" no setor de produção e conservação de forragens.
São os empreendedores os principais agentes de mudança econômica, pois geram, disseminam e aplicam as inovações(Martins, 2006). Uma linha de crédito que estimule o investimento em fazendas especializadas na produção de feno e silagem multiplicaria o uso destas tecnologias.
6.       Programa que estimule o "empreendedorismo" no setor de melhoramento, multiplicação e comercialização de genética adaptada ao semiárido.
As áreas não-irrigáveis representam mais de 90% das terras do Polígono das Secas. Nelas, a atividade pastoril predomina desde os primórdios da colonização. A solução dos problemas desta imensa região passa, necessariamente pelo uso de material genético adaptado a altas temperaturas e estresse hídrico (raças rústicas e forrageiras resistentes).
“A atividade pecuária cresce de importância com relação à produção agrícola, à medida que a aridez aumenta”.
Everaldo Rocha Porto
7.       Fortalecimentos de entidades e instituições ligadas ao setor.
Entidades como Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB e a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola – EBDA, precisam dispor de condições para desenvolver bem suas funções: a) fazer chegar principalmente aos pequenos produtores as tecnologias de convivência; b) fomentar o parque industrial ligado ao Agronegócio, condição imprescindível ao processamento e comercialização da produção regional.
8.       Construção de ao menos uma barragem de porte nos municípios baianos da região do cristalino.
Nesta região o embasamento geológico impede que a água possa ser reservada nas camadas interiores do subsolo, razão pela qual os açudes e barragens de porte representam a única maneira de acumular água para períodos de seca prolongada. Em Ipirá, por exemplo, todas as aguadas particulares e publicas secaram em 2012.
“A fórmula natural para conviver com estas condições adversas são as reservas de superfície ou açudes, regularizando o abastecimento no território com base nos canais, adutoras, perenização de cursos d’água, evoluindo para um modelo mais abrangente: a integração de bacias”.
Hypérides Pereira de Macedo
“O Semi-Árido baiano se constitui na maior 
solidão hidro-geográfica do Brasil […]  
57% da área do Estado é carente de estrutura hídrica”.
Manoel Bonfim Ribeiro
Senhor Presidente, encerro manifestando a disposição de toda a nossa diretoria em colaborar, no que for necessário, para tentar amenizar os efeitos desta crise, que já não afeta apenas a produtores e trabalhadores rurais, mas que, ultrapassando os limites de nossas porteiras, alcançou o comércio, prestadores de serviços, profissionais liberais, autônomos e consumidores. Enfim, toda a economia e a sociedade regionais.
Atenciosamente,
José Caetano Ricci de Araujo

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