Presidente da FAEB, João Martins. |
A Faeb reuniu
nesta terça-feira, 26, centenas de produtores, lideranças rurais do semiárido
baiano e autoridades, para discutir os efeitos da longa estiagem que atinge
todo o Nordeste. Com o objetivo de documentar a dramática realidade vivida
pelos sertanejos baianos, foram colhidos durante toda manhã depoimentos dos
produtores, que revelaram todas as dificuldades enfrentadas nesse período, as
estimativas de perdas e possíveis soluções para amenizar os efeitos da seca.
“Iremos levar para o Governo Federal, a partir do relato de cada produtor
rural, uma proposta com o diagnóstico da atual realidade do semiárido baiano”,
ressaltou o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB),
João Martins. Confira a
seguir:
a) Trecho do
pronunciamento de José Caetano (Sindicato dos Produtores Rurais de Ipirá)
durante o encontro.
b) Ofício do
Sindicato dos Produtores Rurais de Ipirá com sugestões para recuperação da
Agropecuária na região.
a) Trecho do pronunciamento de José Caetano:
[…] Precisamos reconhecer
um fato: os governos, federal e estadual não provocaram esta seca. Trata-se, como
sabemos, de um fenômeno
climático natural.A seca
que “deixou o sertão
em chamas”
usando uma expressão de um companheiro nosso de Irecê, José Carlos, foi resultado
de uma longa sucessão
de anos ruins
que lenta e progressivamente esmagou a produção. Mas, apesar de ser um fenômeno natural não
é, contudo um
“problema da natureza”
como alguns
podem pensar. Quem definiu
melhor esta questão foi o eminente geógrafo baiano, Professor Milton Santos,
quando disse:
“A SECA NÃO
É QUESTÃO DA NATUREZA… É QUESTÃO DA SOCIEDADE, PORTANTO… UMA QUESTÃO POLÍTICA”.
Hoje estamos aqui
para tratar de uma questão POLÍTICA. Não me refiro à
política-partidária, nem a este ou aquele governante, mas sim, à
política como planejamento, como gerência do estado, como processo de fazer as
coisas acontecerem, como decisão de governo. É a falta desta decisão que
tem perpetuado a seca como mazela do sertão nordestino. É a falta de
decisão política, que faz existirem notáveis semelhanças entre as “Medidas
Emergenciais” de agora, com as ”Frentes Produtivas” da seca de 1983,
com as “Frentes de Trabalho” da seca de 1970 ou com as “Frentes de
Emergência” da seca de 1958. Todas estas, trazem basicamente o mesmo
discurso, a mesma transitoriedade e a mesma inconsistência. […]
Em nome do
Sindicato dos Produtores Rurais de Ipirá, quero concluir aproveitando a
oportunidade que me concedem para dizer:
Chegou a hora de
perdermos a tolerância. Chegou a hora de dizer “chega”: Chega de esperar meses
pelo milho e pelo credito que não vem. Chega de propaganda enganosa.Chega
destas “normas” do Banco do Nordeste que significam unicamente indiferença
burocrática para com a produção do semiárido. Chega dos dados oficiais de
que 114 mil produtores do nordeste devem à união… E a união, quanto deve
aos produtores rurais do semiárido brasileiro?
A seca, como problema
permanente do nordeste, não é conseqüência da falta de chuvas, mas sim da
falta de difusão de tecnologias corretas e de recursos para implementação das
soluções adequadas. A seca é resultado da negligência e do descaso do Estado
brasileiro para com o sertão semiárido.
b) Ofício n.° 01/2013
Ipirá, 21 de março
de 2013.
A Federação da
Agricultura do Estado da Bahia – FAEB. Dr. JOÃO MARTINS DA SILVA JÚNIOR. Presidente.
Assunto: Resposta ao Ofício 021/2013
Senhor Presidente
Em atenção ao
Oficio 021/2013 de 15 de março de 2013 segue nossa contribuição:
Com relação a um “programa
de recuperação da agropecuária do nordeste”, entendemos que não se
verifica insuficiência em matéria de soluções tecnológicas. Como é do
conhecimento do sistema sindical, existe todo um acervo de técnicas capazes de
mitigar os efeitos de crises climáticas e promover o desenvolvimento
sustentável da região. Desde que não faltem recursos financeiros, com a aplicação
prática destas tecnologias*, os produtores rurais do semiárido serão
capazes de conviver com os riscos climáticos que tradicionalmente enfrenta e
mesmo com os riscos acrescidos em função das prováveis “mudanças climáticas” em
curso.
*palma adensada, genética animal e vegetal compatível com o ambiente,
práticas de conservação de forragem, captação e acumulação de reservas
hídricas, irrigação, recuperação de áreas degradadas, revitalização
de nascentes e matas ciliares, controle de queimadas, arborização de pastagens,
cultivos em alamedas, cercas vivas forrageiras, construção de barragens de
contenção de sedimentos, barragens sucessivas, barragens subterrâneas,
terraceamentos, cordões de pedra em contorno, cordões de vegetação permanente,
quebra-ventos, adequação de estradas vicinais, plantio direto, cultivo mínimo,
escarificação, subsolagem, sulcos barrados, captação “in situ”, cobertura
morta, adubação verde, adubação orgânica, calagem, uso de áreas úmidas para
produção de alimentos,etc.
A violenta seca,
entretanto,provocou um efeito desestruturante sem precedentes. Pastagens e
reservas de palma foram consumidas até a exaustão assim como as reservas de
capital. Os produtores venderam parte significativa de seus rebanhos por
preços irrisórios e foram forçados ao endividamento com amigos, parentes,
bancos ou mesmo agiotas. Sem mais nada poder fazer, assistiram dezenas,
quando não centenas, de animais morrerem de fome e sede. A drástica redução da
atividade agropecuária (empresarial ou familiar), o atual estágio de
empobrecimento e a necessidade premente de obter o sustento, impossibilitam os
investimentos necessários à adoção das tecnologias de convivência mencionadas.
O grande desafio
atual é, portanto a viabilização destes investimentos o que só será possível
com Crédito Rural.
1.
Crédito Rural: a) verdadeiramente emergencial e desburocratizado; b)
prorrogação/renegociação das dívidas rurais e rebate significativo; c) anistia
para financiamentos que tiveram resultado operacional comprometido pela seca;
d) e concessão de crédito novo para investimentos de reestruturação.
"Aprendi que Política Agrícola é, essencialmente, Crédito Rural.
Além daí o que parece haver é muito academicismo, é tecnocrata maniqueísta
subvertendo prioridades e o desenvolvimento, por alienação, da arte de explicar
porque não se faz”.
Manoel Dantas Vilar Filho
Resolvida esta
primeira urgência, evidentemente serão necessárias ações estruturantes.
Sugerimos algumas:
2.
Ações no sentido de minimizar os custos da atividade leiteira.
São evidentes os
benefícios da atividade leiteira nas propriedades rurais do semiárido* (fluxo de caixa, menores riscos e alta liquidez). Também evidentes, são as desvantagens do semiárido quando comparados os “custos de produção” com regiões de recursos naturais mais abundantes (mais úmidas). Portanto, para equilibrar estas desigualdades são necessárias medidas compensatórias, como: desonerar a carga tributária de insumos, máquinas e equipamentos para os produtores de leite.
benefícios da atividade leiteira nas propriedades rurais do semiárido* (fluxo de caixa, menores riscos e alta liquidez). Também evidentes, são as desvantagens do semiárido quando comparados os “custos de produção” com regiões de recursos naturais mais abundantes (mais úmidas). Portanto, para equilibrar estas desigualdades são necessárias medidas compensatórias, como: desonerar a carga tributária de insumos, máquinas e equipamentos para os produtores de leite.
*Ipirá, por exemplo, está entre as dez maiores populações rurais do
estado da Bahia, tem a sua atividade agropecuária predominantemente formada por
pequenos produtores, na sua grande maioria dedicados à atividade leiteira.
3.
Desenvolvimento do Sistema de Produção Agrossilvipastoril.
Nenhuma outra
região do país necessita tanto de fomento a este sistema de produção (que
combina cultura, árvores e animais) quanto o semiárido nordestino. Do
ponto de vista ambiental é talvez a “única” alternativa sustentável.
Investimentos neste sistema não oferecem, entretanto retorno econômico a curto
e mesmo médio prazo. É necessário, portanto uma política diferenciada para o
semiárido, com financiamentos progressivos, de muito longo prazo de carência e
amortização.
“Ou a convivência sustentável ou o deserto, eis a questão”.
Roberto Malvezzi
4.
Programa específico para recuperação de pastagens degradadas.
Recente estudo*
da FAO apresenta o manejo de pastagens como a “segunda mais importante
tecnologia agrícola atualmente disponível para suavizar as alterações
climáticas” e destaca o “grande potencial inexplorado de seqüestro
e armazenamento de carbono nos solos sob pastagens dos sistemas pastoris e
agropastoris das regiões secas do planeta". Um bom programa neste
sentido traria, portanto benefícios econômicos, sociais e ambientais.
*Review of evidence on drylands pastoral
systems and climate change - Implications and opportunities for mitigation and
adaptation
5.
Programa que estimule o "empreendedorismo" no setor de produção e
conservação de forragens.
“São os
empreendedores os principais agentes de mudança econômica, pois geram,
disseminam e aplicam as inovações” (Martins, 2006). Uma linha de
crédito que estimule o investimento em fazendas especializadas na produção de
feno e silagem multiplicaria o uso destas tecnologias.
6.
Programa que estimule o "empreendedorismo" no setor de melhoramento,
multiplicação e comercialização de genética adaptada ao semiárido.
As áreas
não-irrigáveis representam mais de 90% das terras do Polígono das Secas. Nelas,
a atividade pastoril predomina desde os primórdios da colonização. A solução
dos problemas desta imensa região passa, necessariamente pelo uso de material
genético adaptado a altas temperaturas e estresse hídrico (raças rústicas e
forrageiras resistentes).
“A atividade pecuária cresce de importância com relação à produção
agrícola, à medida que a aridez aumenta”.
Everaldo Rocha
Porto
7.
Fortalecimentos de entidades e instituições ligadas ao setor.
Entidades como
Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB e a Empresa Baiana de
Desenvolvimento Agrícola – EBDA, precisam dispor de condições para desenvolver
bem suas funções: a) fazer chegar principalmente aos pequenos produtores
as tecnologias de convivência; b) fomentar o parque industrial ligado ao
Agronegócio, condição imprescindível ao processamento e comercialização da
produção regional.
8.
Construção de ao menos uma barragem de porte nos municípios baianos da região
do cristalino.
Nesta região o
embasamento geológico impede que a água possa ser reservada nas camadas
interiores do subsolo, razão pela qual os açudes e barragens de porte
representam a única maneira de acumular água para períodos de seca prolongada.
Em Ipirá, por exemplo, todas as aguadas particulares e publicas secaram em
2012.
“A fórmula natural para conviver com estas condições adversas são as
reservas de superfície ou açudes, regularizando o abastecimento no território
com base nos canais, adutoras, perenização de cursos d’água, evoluindo para um
modelo mais abrangente: a integração de bacias”.
Hypérides Pereira
de Macedo
“O Semi-Árido baiano se constitui na maior
solidão hidro-geográfica do Brasil […]
57% da área do Estado é carente de estrutura hídrica”.
Manoel Bonfim
Ribeiro
Senhor Presidente,
encerro manifestando a disposição de toda a nossa diretoria em colaborar, no
que for necessário, para tentar amenizar os efeitos desta crise, que já não
afeta apenas a produtores e trabalhadores rurais, mas que, ultrapassando os
limites de nossas porteiras, alcançou o comércio, prestadores de serviços,
profissionais liberais, autônomos e consumidores. Enfim, toda a economia e a
sociedade regionais.
Atenciosamente,
José Caetano Ricci
de Araujo
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