12 de abr. de 2013

MANIFESTO AOS INSENSÍVEIS


Por Agildo Barreto
Postado originalmente em:
http://agildobarreto.blogspot.com.br/


Vivenciamos uma tragédia: a economia rural de Ipirá está falida. Não por causa do tsunami japonês, nem do furacão do Caribe, muito menos pelas enchentes do Rio de Janeiro. A tragédia deles é televisiva, causa estrago e destruição repentina, milhares de mortes num só instante. É o desmoronamento do mundo quase-perfeito pelas intempéries da natureza. Causa sensacionalismo midiático. É a infelicidade dos outros regurgitando em nossas lágrimas e o Nordeste solidário tira do seu quinhão para reconfortar os irmãos. Requer mobilizações grandiosas e recuperações majestosas e imediatas. Toca no coração e no sentimento.
A nossa tragédia no semi-árido nordestino é anunciada, é lenta, insistente, demasiada e abrangente. A nossa tragédia não é repentina, abrupta como um raio; a nossa tragédia é insistente, demorada, prolongada, vezeira e costumeira. Tira a vida aos poucos, surrupiando lentamente. Não é um impacto momentâneo, é um grandioso impacto de inumeráveis e prolongados momentos; previsíveis momentos. A televisão vê a nossa tragédia; a televisão não enxerga a nossa tragédia. A nossa! É nossa velha companheira, companhia inseparável por longos e intermitentes anos; vai e volta, é nossa costumice, nos acostumamos. A nossa tragédia não é obra de PAC de Copa do Mundo, a nossa tragédia é obra de PAC encalhado. Não arranca lágrimas.
A economia rural de Ipirá está falida. Falo Ipirá porque moro em Ipirá. São 6.813 propriedades rurais vítimas da estiagem prolongada e acima do suportável. São 6.813 propriedades definhando, perdendo gordura e peso, precisando de ração racionada, vivendo à míngua minguada, perdendo força, caindo, levantando por meio de panca, caindo sem levantar, olhos entristecidos de tristeza, esperando a morte anunciada. Uma catástrofe.
Os que sobrevivem com recursos próprios, parcos e minguados recursos, encontram-se sem condições, mas em condições de fazer somatório com aqueles que sobrevivem com recursos do assistencialismo governamental. Caridade com carimbo federal e estadual. Caridade com cara de bondade de quem não apresenta um projeto efetivo para soerguer quem está com as mãos estendidas e com a vergonha no coração. São 6.813 propriedades rurais esgotadas.
A economia rural de Ipirá está entregue à própria sorte ou falência. As perdas são irreparáveis, os prejuízos são incontáveis. Todas as tentativas de fazendas modelos em Ipirá minguaram. Neste momento, o melhor exemplo de propriedade rural produtiva em Ipirá não consegue um único recurso para suportar a adversidade. A saída é vender o plantel de vacas leiteiras, trabalho de anos à fio, para mais tarde, quiçá, começar tudo de novo, viver tudo novamente. Faço votos que não signifique o pressuposto da inviabilidade deste município. A Nestlé quando foi embora de Ipirá bateu o martelo: é inviável. Um terrível carimbo. O fazendeiro Itamar de Alagoinhas indagava perplexo e satírico: “quem foi que disse ao povo de Ipirá que isso aqui é bacia de leite?” Ganhou mais de 1 milhão de reais com a seca em Ipirá. Não veio agora, porque Alagoinhas também é vítima da seca.
No sistema financeiro que atua em Ipirá é mais fácil encontrar dinheiro para comprar um automóvel zero do que um tostão para salvar uma vaca (exceto o Sicoob). Eles não acreditam na capacidade de recuperação de uma economia rural no semi-árido; que exploda na falência. O governo implementou o projeto “garantia safra”, um vale para quem perdeu a safra, ou melhor, para contentar e calar quem nem plantou para ter safra, são mais de cinco anos sem chuvas constantes. São 760 reais para cada família em caso de perda da safra. É o puro assistencialismo imediatista, produzido e manejado por quem não apresenta um projeto efetivo para botar esse semi-árido para produzir e viver de seu próprio sustento.
São 6.214 agricultores de característica familiar em Ipirá. Só 1.440 famílias da agricultura familiar em adesão.  O município receberá mais de 1 milhão em sua economia. Um bom negócio. Nesse momento e nessas condições isso tudo é válido. Se esta seca fez o município de Ipirá perder mais de 60% do seu rebanho, por venda abaixo do preço ou morte, o prejuízo chegará a algo em torno de 18 milhões. Um péssimo negócio.
A economia rural de Ipirá está entregue ao seu próprio destino, a falência. Estamos, ainda, no estágio do carro-pipa. São sete carros-pipas em parceria com o governo federal e treze com recursos próprios. O governo do estado entra com 250 mil reais para complementar o abastecimento. O governo só garantiu 800 h para limpeza de aguada, a 100 reais a hora, coitadinho do Estado! Na urgência e emergência tudo é bem-vindo, até chuva de goteira. As ações implantadas pelo governo: como bolsa família, crédito-estiagem, prorrogação de dívidas, ação de carros-pipas, garantia safra dentro de um quadro de calamidade pública em que vive o município, neste caso, tudo é válido, mas é paliativo. Esse não pode ser o limite para quem vai produzir na zona rural de Ipirá.
O grande problema é tornar esse município viável, com trabalho e renda. Se o município de Ipirá for obrigado a viver eternamente de assistencialismo, significa que estará sendo obrigado a ser eternamente inviável. O assistencialismo é corporativista, não enxerga que o município de Ipirá é caracterizado por uma grande quantidade de pequenas e médias propriedades rurais. A falência da zona rural de Ipirá significa 6.813 propriedades sem produção, sem trabalho e sem renda. É exasperante e preocupante.
Que esse manifesto não sirva de alerta, da vaca só resta o esqueleto, mas que seja uma faca afiada para arrancar as vozes acostumadas a não dizer nada. O município de Ipirá depara-se com um grande problema tão antigo e previsível, tão massacrante e perverso quanto a completa ausência de políticas públicas permanentes de apoio e assistência técnica continuada que combata e reduza os efeitos que a natureza produz constantemente no sertão. O sertanejo não pode perder a esperança.

Um comentário:

  1. Cheguei a pouco tempo e tenho propriedades aqui em Ipirá. Vejo que muitos produtores não se preparam para o pior quando o tempo é de bonança. Porém, seca como esta, nem o mais preparado está tranquilo. Passo pelos lugarejos e só vejo terra, nada de pasto, nem uma folhinha. E concordo integralmente com o manifesto, na condição atual o populismo governamental até ajuda. Mas, não resolve. E a resolução está longe, quase impossível de ser alcançada. Contudo, o Estádio da Fonte Nova está pronto para a Copa do Mundo e o governo só sede 800h para a limpeza das presas. Que antagonismo!!!!

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