Euclides
da Cunha
O
senso comum vê o "nordeste" como uma região de aparência uniforme e
clima seco. O senso crítico, entretanto, mostra que o vasto território
nordestino apresenta um dos mais diversificados climas do Brasil. Por convenção
a geografia divide o Nordeste em quatro sub-regiões: Zona da Mata que acompanha
o Oceano Atlântico do Rio Grande do Norte até o sul da Bahia, onde encontramos
o pouco que restou da exuberante Mata Atlântica; Meio Norte que compreende
grande parte do Piauí e todo o Maranhão, onde estão as matas dos cocais e
babaçuais; Sertão, que é a parte mais interior de praticamente todos os estados
nordestinos e Agreste, estreita faixa entre a Zona da Mata e o Sertão
interiorano, com características das duas sub-regiões adjacentes, partes quase
tão secas como o Sertão e outras bastante chuvosas. O Nordeste brasileiro é,
portanto “um conjunto de regiões muito diferentes [...] onde há um pouco de
tudo”, como ensinava o eminente agrônomo Frederico Pimentel Gomes.
Agreste,
Sertão e uma pequena parte do Meio Norte compõem o semiárido nordestino,
caracterizado pela baixa umidade do ar, baixa pluviometria e freqüentes
“secas”. Resistindo às adversidades do clima semiárido através de adaptações
naturais, esta a Caatinga com suas várias feições, desde a arbórea úmida e
densa até a arbustiva abertas e extremamente seca. Esta última representa o
“nordeste” do imaginário popular e teve em Euclides da Cunha sua melhor
descrição: “Arbúsculos quase sem pega sobre a terra escassa, enredados de
esgalhos de onde irrompem solitários cereus rígidos e silentes, dando ao
conjunto a aparência de uma margem de desertos”.
“Eu
acho o Sertão bonito exatamente por causa daquilo
que os delicados acham
feio...
o Sol implacável... e a Caatinga espinhosa e selvagem,
povoada de répteis envenenados, de aves de rapina,
escorpiões, marimbondos e piolhos-de-cobra”.
Ariano Suassuna
povoada de répteis envenenados, de aves de rapina,
escorpiões, marimbondos e piolhos-de-cobra”.
Ariano Suassuna
O
entendimento dos cientistas é que a semiaridez do nordeste brasileiro foi
provocada por alterações geológicas e climáticas ocorridas em época bastante
remota, anterior, inclusive, ao surgimento da espécie humana no planeta.
Consequentemente, sua vegetação não seria resultado da degradação provocada
pelo homem como ocorreu em outras regiões semidesérticas do mundo. Mas, se o
homem não esta na origem da Caatinga, por certo, causou-lhe modificações
significativas. O semiárido nordestino sofreu uma forte pressão de ocupação
desde os tempos coloniais, quando a necessidade de atender à demanda de
alimentos da população que se multiplicava no litoral determinou o avanço da
pecuária para os sertões, onde o clima arejado e seco é propício aos rebanhos.
Com o povoamento dos sertões, a caatinga, que na língua Tupi significa “mata
esbranquiçada”, em referência a sua aparência na estação seca, progressivamente
foi sendo exaurida pelas queimadas para melhorar os pastos e para abrir as
roças de algodão, pela extração de madeira para lenha, cercas, currais,
galpões, casas e dormentes de ferrovia, também pela exploração de ouro, cobre,
ferro, mica, caulim, gesso, pedras preciosas e semipreciosas.
“Foi
o gado bovino quem guiou o povoador para os sertões;
e não o rancheiro quem
trouxe o gado para cá!”
Dilemar Costa
O
longo histórico de exploração fez da Caatinga, muito provavelmente, o
ecossistema mais degradado do Brasil depois da Mata Atlântica. Salvo valiosas
exceções, grande parte da vegetação remanescente, perdeu suas características
originais. Restou uma “caatinga” desfigurada que não conssegue proteger o solo
das chuvas torrênciais características do semiárido. Uma “caatinga” secundária
onde a erosão esta presente e a fauna praticamente desapareceu. Na estação
seca, árvores e arbustos perdem suas folhas, avidamente pastejadas por cabras,
ovelhas e vacas. As primeiras chuvas atingem o terreno desprotegido, provocando
a retirada de sedimentos. A degradação dos solos avança e, exaurida, a natureza
recua.Caatinga degradada |
Em nenhuma outra parte do mundo existe bioma
igual à caatinga. Restrito ao território brasileiro suas peculiaridades exigem
tecnologias próprias e atenção especial. Suas espécies nativas, expressando as
possibilidades de adapatação da natureza às regiões de elevado potencial de
evapotranspiração com baixa e iregular precipitação, ganharam enorme relevância
ante a probabilidade do aquecimento global. Sistemas de produção incompatíveis
e agressivos são responsáveis pela “degradação generalizada” que tem provocado
menor capacidade de recuperação a secas e facilitado o surgimento de núcleos de
desertificação. Paradoxalmente esta degradação representa um “potencial inexplorado”
para combater o “efeito estufa”. Estudos revelam que as maiores
oportunidades para sequestro e armazenamento de CO² no solo estão, justamente,
em terras secas degradadas (Review of evidence on drylands pastoral systems and
climate change - 2009). Neste novo
cenário a caatinga ganha crescente visibilidade, o que talvez contribua para
que receba a atenção e os cuidados de que precisa. Em contrapartida, poderá
prestar a todos nós um duplo serviço: primeiro ambiental, seqüestrando carbono,
e aumentando a capacidade das regiões secas em adaptar-se aos impactos de
possíveis mudanças climáticas, depois econômico, reforçando a produtividade da
pecuária e a segurança alimentar das populações.
JOSÉ
CAETANO RICCI DE ARAÚJO
Eng°
Agrônomo e Produtor Rural
Ipirá
– Bahia |
Postado originalmente em http://bahiaredsindi.blogspot.com.br/ em 17/07/2011
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